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Channel: O Berço do Mundo
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Quem está cansado de Londres...

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...está cansado da vida, diz o adágio viajante, provavelmente porque esta metrópole, vibrante e orgulhosamente multicultural, tem programas para todos os gostos.
Em poucos lugares se pode, numa só tarde, ouvir um concerto de guitarra elétrica a percorrer os clássicos de Led Zeppelin e Pink Floyd, sob o olhar atento de Eros (Piccadilly Circus); ver breakdance e logo a seguir um violinista jovem e loiro com vagas semelhanças a um David Garret (Leicester Square) e, não muito longe dali, ouvir um cantor lírico num dos mais tradicionais mercados londrinos (Covent Garden).
Os teatros e casas de espectáculos sucedem-se, anunciando musicais a um preço muito mais penoso do que o das performances de rua: behold!Les Miserables continuam em cena!
Milhares de turistas misturam-se com os londrinos que se dirigem para a city, o centro financeiro do reino, nos seus fatos impecáveis. Nos labirínticos túneis de metro, leem jornais, leem livros (quem são estas aves raras?), sempre discretos em relação ao vizinho do lado, mesmo quando os sovacos deste se escancaram a metros centímetros dos seus rostos.  Antes de entrarem nos seus modernos escritórios, abastecem-se de cafeína no Starbucks ou Costa Coffee da esquina.



O pequeno explorador atento às luzes de Picadilly Circus.
Escuteiros portugueses assistem a uma performance de rua.



Os edifícios espelhados que engolem estas formiguinhas convivem com outros, de épocas longínquas. Essa é a imagem de marca de Londres: uma cidade moderna, mas que não esquece as suas raízes, as suas tradições, o seu chá, a sua rainha.
É por sua majestade que o célebre relógio da Torre de Santo Estevão, mais conhecido como Big Ben (por empréstimo do nome do sino de 13,5 toneladas), proclama em latim e com letras de ouro "Deus, mantenha a salvo a nossa rainha Vitória, a primeira".
Só aqui a ambição de rigor poderia criar a gíria "putting a penny on", porque colocar ou retirar um centavo no mecanismo adianta, ou atrasa, aquele relógio durante a fracção de segundo necessária para que seja o mais preciso do mundo.
Em Londres encontramos arte antiga (no British Museum ou na National Gallery, um dos maiores museus ingleses, com mais de 2.300 obras) e arte contemporânea (Tate Modern), sem pagar um tostão. O Museu de História Natural tem fósseis de dinossauros, mas não dispensa a mais moderna tecnologia e painéis interactivos.
E haverá guia mais tradicional do que um "beefeater" para nos contar os segredos tenebrosos da Torre de Londres?

Prometo outro post sobre os beefeaters e a Torre de Londres. Não são magníficos?
O Harrods pode não ser o lugar mais acessível do mundo para fazer compras,
mas lá que é apetecível (e bonito)...
A London Bridge, um ícone da arquitectura londrina.

A cidade está repleta de hipsters e, no entanto, continuam a colocar uma bíblia sagrada em cada quarto de hotel. É a tradição, explica a nossa recepcionista, com uma sonora gargalhada.
Tristemente, um dos símbolos britânicos mais emblemáticos, as cabines telefónicas vermelhas - talvez a invenção mais conhecida do arquitecto Sir Giles Gilbert Scott, que passou a ostentar a coroa de St. Edward depois que a actual rainha subiu ao trono - estão muito sujas e maltratadas. Numa altura em que toda a gente tem (pelo menos) um telemóvel no bolso, elas estão a tornar-se obsoletas. Tanto que a British Telecom criou a campanha "adopte uma cabine" (aqui) para ajudar na sua manutenção.
A capital inglesa recebeu-nos com temperaturas atípicas, perto dos 30ºC. Quase nem vimos guarda-chuvas que, em boa verdade, deviam fazer parte do traje de um gentleman - e o meu imaginário transporta-me para o clássico espião John Steed, da série Avengers, ainda antes dos heróis da Marvel terem nascido!
Alguns londrinos não gostam deste calor, diz-nos o jovem moreno que vende macaroons no Harrods (outro clássico)! Ele gosta, acrescenta com um sorriso. Pergunto-lhe de onde é: talvez do Médio Oriente!? "I was born here, but my parents came from Pakistan", explica com a expressão do já estou tão habituado a que me tomem por estrangeiro. E como eu o entendo...


 All my love to my faithful readers. Greetings from London!


Twinings with a drop of milk

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No último post falei-vos sobre como a tradição está enraizada nos corações ingleses, apesar de Londres ser uma das maiores cidades do planeta. E se há hábito que todos nós associamos a este povo é... pensem um pouco... o chá das cinco. Trazido por uma portuguesa no século XVII - D. Catarina de Bragança, que veio desposar o rei D. Carlos II -, o chá entranhou-se de tal forma no carácter britânico que o Sting canta "I don't drink coffee, I take tea my dear", apesar de estar em Nova York com o seu sotaque perfeito.
Quando planeei esta visita a terras de Sua Majestade, decidi que era a oportunidade perfeita para o Pedrinho conhecer a adoração dos ingleses por uma bebida que ele detesta. E eis-nos num clássico autocarro londrino, de dois andares, para um tea tour.
A mesa que prepararam para nós está adorável, com as suas mini sanduíches, cupcakes, macaroons, e uns maravilhosos quiches de cogumelos. Depois, a Chloe serve-nos o chá: para mim será Twinings (marca com mais de 300 anos, com recomendação da realeza) a que se juntará, após dois minutos de infusão, umas gotinhas de leite. Perfeito!

Este afternoon tea parte em frente do London Eye, uma zona 
fantástica para um final de tarde em família.




Infelizmente, não consigo convencer o pequeno explorador a provar. A sua careta à minha oferta é muito eloquente... Mas há muito mais opções, desde café, capuccino, chocolate quente ou ice tea, sem esquecer o sumo de laranja acabado de espremer. Embora não pareça muito prático beber chá num autocarro, saibam que os copos têm tampa, para evitar acidentes, e que os pratinhos estão presos à mesa por ventosas.
Para além disso, o percurso é feito devagar, com passagem em vários pontos emblemáticos da cidade: London Eye, zona de Westminster, passando pelo Buckingham Palace, em direcção ao Royal Albert Hall, contornando o Hyde Park através do charmoso bairro de Notting Hill, para desembocar junto do Marble Arch e seguir pela zona comercial de Piccadilly até Trafalgar Square, onde desponta a coluna de homenagem a Lorde Nelson. Todo o percurso está explicado ao pormenor, com curiosidades sobre os vários monumentos por onde passamos, no folheto colocado na mesa.
Parece impossível comer tudo o que temos na frente e já a Chloe passa, a oferecer mais docinhos. E quando, de barriga cheia, nos voltamos com mais atenção para a paisagem, chegam os scones e acompanhamentos. Escusado será dizer que não consegui jantar nesse dia!



Para não desperdiçar tantas delícias, uma caixinha é distribuída no final.


Ainda que o passeio não seja propriamente barato, saibam que um afternoon tea minimamente decente não fica por menos de £20 por pessoa. Para além disso, esta é uma forma maravilhosamente vintage de conhecer um pouco melhor a cidade, dando algum descanso às pernas.
Sublinhe-se a necessidade de reservar com alguma antecedência, pois este roteiro é bastante procurado, especialmente depois da Mel B (ex-Spice Girl) lá ter levado um dos concorrentes do X-Factor (notícia aqui)...
Resta-me agradecer à BB Bakery, com sede em Covent Garden, por este amável convite, reiterando que, apesar do roteiro ter sido oferecido, este post reflecte a minha opinião pessoal, sincera e intransmissível! E, apesar do Pedro ainda não ter cedido ao apelo do chá, não me dou por vencida. Quem sabe numa próxima ida a Londres o converto?




Site do Afternoon Tea Bus Tour (aqui)
Preço: £45 adulto/ £35 crianças a partir dos seis anos
Dica: existem menus para vegetarianos, alérgicos a glúten, etc. É só indicar as suas restrições alimentares, na altura da reserva.


I escaped from the Tower

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© trysomethingfun.com. Um mar de papoilas vermelhas representa o sangue dos 
soldados ingleses derramado na I Guerra Mundial (instalação artística de 2014).

"Is there any History teacher here?" - pergunta o guarda, com a sua voz de trovão. A capa azul e vermelha e o gorro Tudor emprestam-lhe um aspecto impressionante.
A multidão humedece. "Great, I can tell you whatever I want", remata com uma valente gargalhada. Tom é um dos Yeomen Warders, os guardas cerimoniais da coroa britânica, mais conhecidos por "beefeaters"** e prepara-se para nos guiar pelos segredos da famosa Torre de Londres.
Com mais de um milhar de anos, a Torre é um dos palácios reais, património mundial da Humanidade, e também onde se guardam as joias da coroa desde o século XIV, quando o jovem Ricardo partiu da torre até à Abadia de Westminster, para ser coroado. Claro que é proibido fotografar estes tesouros, estão lá alguns dos maiores diamantes do mundo.
Ao longo da história, a Torre serviu como fortaleza, depósito de armas, palácio, casa da moeda... mas é como lugar de tortura e execuções que é mais recordada. "Sent to the Tower"é sinónimo de prisão, sobretudo para gente importante: o filósofo Francis Bacon, a rainha Elizabeth I, o rei D. João II de França e o duque de Orleães D. Carlos I foram alguns dos ilustres convidados.

Actores deambulam pela fortaleza, dando um espírito mais autêntico ao espaço.
© assayofficebirmingham.com
© spitalfieldslife.com. The master raven keeper.



Aqui foram decapitadas duas mulheres de Henrique XVIII (dizem que a Ana Bolena ainda assombra a Torre Branca, passeando com a cabeça debaixo do braço) e aqui desapareceram misteriosamente os príncipes Edward V e Richard, em 1483, pobres herdeiros ao trono.
Apesar da riqueza histórica do lugar e do porte magnífico do guia, é difícil manter uma criança interessada, sobretudo quando a visita guiada é feita numa língua que ainda não se domina. Mas o Pedro adorou a Torre, graças ao kit infantil, com um mapa para procurar as feras reais.
Durante centenas de anos, a Torre foi acolhendo todos os animais que ofereciam aos reis ingleses: os primeiros a chegar foram leões, um urso polar vindo da Noruega (que mantinham preso com uma corda longa, para pescar no Tamisa) e um elefante africano. Mas também por lá passaram linces, tigres, lobos, águias, macacos, ursos pardos... os animais acabaram por ser transferidos para o Jardim Zoológico em St. Regent's Park em 1832, após vários ataques aos visitantes.

O Pedro em busca dos animais do recinto.
Ali ao lado, fica o Tamisa e a emblemática London Bridge.
Este beefeater revelou-se um fã do Porto, onde diz ter sido muito bem tratado,
sobretudo depois de comprar uma camisola do clube da terra.
"Com a camisola do FC Porto, toda a gente me oferecia cerveja", afirma.

Hoje restam apenas os corvos. Reza a lenda que a fortaleza, a monarquia e o próprio reino cairão em ruína, se um dia as aves pretas abandonarem a Torre. Superstição ou não, a verdade é que os corvos foram fechados durante o surto de gripe aviária (2006) e estão protegidos por decreto real. 
O pequeno explorador ainda fala entusiasmado da Torre de Londres e ostenta o seu crachá "I escaped from the tower", não por causa da colecção de moedas, de espadas ou parafernália militar, não por causa das coroas pejadas de pedras preciosas, mas por causa desta caça ao tesouro zoolófica!

Outros programas infantis em Londres


London Eye: o bilhete é caro para uma experiência de 30 minutos, mas a verdade é que a roda gigante recebe mais turistas por ano do que o Taj Mahal. O pequeno explorador adorou a roda, não tanto pela paisagem, mas por causa dos painéis interactivos com informação sobre vários pontos da capital (ficamos a saber que o estádio de Wembley tem 2.618 casas de banho, mais do que qualquer outro recinto do mundo). O filme 4D também foi memorável, segundo o Pedro. 

Museu de História Natural: os fósseis dos dinossauros chegariam para fazer qualquer criança feliz, mas o museu tem ainda réplicas de mamíferos em tamanho real (a baleia parece um avião), insectos, peixes, etc. Ao todo, são cerca de 70 milhões de espécies ou itens, catalogados em cinco grandes grupos: Botânica, Entomologia, Mineralogia, Paleontologia e Zoologia. O Pedrinho vibrou com a secção dedicada aos vulcões e o simulador de terramotos. Eu adorei o edifício!

Não experimentamos, mas acredito que o Pedro ia achar piada à Shrek's Adventure (a dois minutos do London Eye) e à loja M&M, na Leicester Square. Quanto aos estúdios do Harry Potter, haverá tempo depois de ele assistir ao primeiro filme ou ler o primeiro livro da saga do famoso feiticeiro. 




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**poderá derivar o termo francês "buffetier", que se referia aos guardas que testavam a comida real. O povo afirma, no entanto, que o apelido se deve à farta dieta destes guardas, mesmo em tempo de guerra, quando os ingleses tinham direito a uma única ração semanal de carne.
Entrada na Torre de Londres: 22£ adulto/10£ criança
Entrada standard no London Eye, comprada online: 19,35£ adulto/ 13,95£ criança (varia conforme a época do ano, mas é sempre mais barato comprar pela internet).
Entrada no Museu de História Natural: gratuita

Comer como um inglês

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Nós temos o bacalhau, os espanhóis a paella, os italianos a pasta e os indianos o curry. E os ingleses?  A capital britânica é um melting pot tal, que encontramos comida de todos o lado, com especial destaque para a gastronomia asiática. Londres é um lugar fantástico para provar sabores de todo o mundo.
Nós também almoçamos pelo Chinatown, surpreendemo-nos com o cuppacha (uma espécie de bubble tea) numa das ruelas que intercalam lojas de bugigangas, restaurantes chineses e roulotes com baozis.
Mas hoje propomos um dia tipicamente inglês, começando com esse pequeno-almoço reservado para os dias especiais, capaz de manter um soldado um dia inteiro.  O pequeno explorador não torceu o nariz ao tradicionalEnglish Breakfast, com ovos mexidos e bacon, cogumelos e tomate assado, salsichas e feijão. Bem, o feijão ficou meio esquecido no prato: não somos particularmente fãs do sabor adocicado.

Um lugar simpático para provar um tradicional fish and chips.
As sobremesas inglesas não são particularmente doces.
Mas há sempre o Harrods para arruinar a linha...


Depois de palmilhar uns quilómetros, afinal há barriga para almoçar e (oops!), vamos a um clichet sem remédio: fish and chips

Começou por ser servido nas ruas ao proletariado, embrulhado em jornal mas... tornou-se de tal forma popular, que hoje é uma das comidas mais típicas, embora não brilhe pela originalidade. Trata-se tão só de peixe panado, temperado com sal e vinagre de malte, acompanhado de batatas fritas grossas, limão e (às vezes) ervilhas cozidas.

O prato custa em média sete libras mas, bem em frente à Torre de Londres, há um pequeno pub que inclui a bebida nesse preço, a quem apresentar o bilhete de entrada na Torre. Outra opção típica poderá ser o bangers and mash que, traduzido, não é nada sedutor: salsichas com puré de batata, cebola e molho. A cozinha inglesa é meio pesada, inclui bastantes carnes, batatas e legumes... suponho que seja ideal para um país frio, chuvoso e cinzento.
A meio da tarde, nova pausa, para um afternoon tea: Twinings com umas gotas de leite para mim, sumo de laranja para o Pedrinho que, como já vos contei, detesta chá. Os acompanhamentos, esses, são de todo tradicionais: pequenas sanduíches com queijo creme e pepino, bolinhos variados, scones com creme de manteiga ou geleia (recordem o nosso vintage afternoon teaaqui).

No Sandwich Centre, comemos uma deliciosa e nada londrina lasanha de frango.
Scones para o chá

A bem da verdade, a rústica comida de Londres não é propriamente imperdível. Mas se a fome apertar, podemos sempre procurar a D. Alice, no número 16 do Royal Opera Arcade (a 2 minutos de Piccadilly Circus) e provar uma lasanha de frango, acompanhada com salada, água do Luso e um expresso decente. Vinda da Madeira há mais de 30 anos, a simpática senhora está no Sandwich Centre há mais de 20, fechando-o apenas no Natal, para não perder o fogo de artifício do Funchal. 
E vocês, o que já comeram por lá? Contem-me as vossas aventuras gastronómicas.

Entre os bracarii: Citânia Viva

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Faltam 190 anos para Cristo nascer e a paz na Hispânia parece esfumar-se. Ao sul da Península, várias tribos caem perante os romanos... outras unem-se para combater a nova ameaça e os bracarii, da Grande Cidade do Monte Sagrado de Avus, juntam-se à resistência.
O desfecho desta história é previsível: os romanos acabam por dominar o que hoje conhecemos como Península Ibérica e criar um dos maiores impérios de todos os tempos. Mas e as pessoas que moravam ali?
Sentindo que já nada lhes pertence e que a identidade lhes é arrancada, as mulheres invocam os deuses, ironicamente romanos. Que desespero é este, que as leva a apelarem aos deuses do inimigo? Incomodado com os ruidosos clamores femininos, Zeus convoca o seu panteão para, em conjunto, decidirem o futuro da cidade. Mas também as divindades têm as suas quezílias por resolver e muita roupa suja divina será lavada esta noite...


© MP Jacobeu
© MP Jacobeu
O sítio arqueológico da Citânia de Briteiros fica na freguesia de
Salvador de Briteiros, no concelho de Guimarães (Portugal).

© MP Jacobeu



Encenado pelo grupo de teatro bracarense Tin.Bra, "A Discórdia dos Deuses" foi talvez o ponto alto da Citânia Viva 2015, um evento que dá vida às antigas ruínas desta povoação do final da idade do ferro.

Apesar de já se realizar há uma década e ter entrada gratuita, a Citânia Viva ainda se mantém um segredo turístico, talvez por o sítio arqueológico ficar num lugar afastado. E, na minha modesta opinião, ainda bem que assim é: o ambiente foi fantástico e, na verdade, o espaço não conseguiria acolher uma multidão.

Uma vez mais, os moradores juntaram-se à festa como figurantes para recriar um mercado típico, uma reunião do conselho de notáveis (só aberta aos homens, bah!), o cortejo ritual e o jantar castrejo. Depois da performance teatral bem humorada dos Tin.Bra onde brilhou um Zeus de sotaque brasileiro e uma incómoda Discórdia, a noite terminou com uma pira cerimonial e a nomeação de um novo chefe: o grande guerreiro Aldur.


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Nota: quero agradecer ao fotógrafo Marco Jacobeu pelas imagens que gentilmente cedeu (uma vez que só assisti à programação noturna). Conheçam o trabalho deste fotógrafo fantástico de origem alemã, mas a morar em Guimarães há mais de duas décadas,  aqui.

Sítio arqueológico da Citânia de Briteiros aqui.

Uma grande, enorme, gigante... aventura

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Amigos e leitores, estarei algum tempo offline. Nada de blog, facebook ou IG. Regressarei com novas histórias para contar.

Diários da China: Zhuhai 1

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Acordo pouco depois do lusco-fusco da rua, naquele escasso hiato em que nem as aves perturbam o silêncio. A minha cama tem um colchão com apenas dois ou três centímetros mas, surpreendentemente, nada me dói. Começo a entender esta forma tão asiática de dormir.
Uma hora depois, desço do dormitório e o Nǐ hăo (你好) já me sai como um hábito há muito adquirido, tal como a resposta mecânica da porteira. A humidade quente cola-se-me à pele, à medida que caminho para um pequeno-almoço de arroz, noodles, sopa, ovos, pães (todos eles doces, por vezes com um recheio de feijão) e leite de soja a ferver, que uso para preparar um Nescafé porque não curei a minha ânsia de cafeína.
Dois ou três dias foram suficientes para ultrapassar o jetlag e a rotina instalou-se tão rapidamente que parece que aterrei em Hong Kong, por entre chuva e trovões, há uma eternidade. Ou é o tempo, maroto, a pregar partidas a uma mãe roída de saudades. O pequeno explorador não me pôde acompanhar neste curso de Verão, mas é tão difícil ter o coração a bater a meio planeta de distância!


Pormenor do campus da Universidade de Sun yat-Sen, em Zhuhai, sul da China.

Nestes pensamentos me perco, enquanto contemplo as montanhas que rodeiam o campus, a floresta exuberante já tão viva de sons, os lagos com nenúfares e lótus... até ser arrancada dos meus devaneios pelos colegas que vão chegando para a aula de chinês. Eles são alemães, espanhóis, coreanos, russos, ucranianos e israelitas. Há apenas duas aves raras no grupo: um inglês e uma portuguesa (adivinhem se conhecem).
Isto resulta numa cacofonia de línguas tão interessante, como se estivéssemos a construir uma minúscula torre de Babel. Claro, o inglês sobressai como língua franca, até porque muitos estão a contactar com o mandarim pela primeira vez.
Mais do que uma oportunidade de aperfeiçoar o meu incipiente e tímido chinês, esta foi uma viagem para compreender outra forma de ver o mundo, para conhecer melhor um "outro" que adora selfies, que fica tão deslumbrado com estes aliens estrangeiros que pede para os fotografar, que vive sem facebook mas nem por isso deixa de ter redes sociais.
E isso (compreender, conhecer) pressupõe comer com pauzinhos, ir a uma KTV party*, regatear no mercado aquela dragon fruit que queria mesmo provar (太贵了, tài guì le), arder incenso num templo, comer coisas que não consigo identificar, algumas muito amargas, outras muito picantes.
Sei que levantei apenas uma pontinha do véu deste país gigante, de grandeza continental, até porque Cantão, na província de Guandong, é uma região muito particular. Mas sobre as idiossincrasias locais falarei num próximo capítulo.
Zài jiàn (再见)!


Dragon fruit e durian (à esquerda) foram duas novidades para o meu palato.






* KTV ou karaoke é um passatempo importado do Japão, muito popular na China. Basicamente, alguns amigos ocupam uma sala por umas horas para cantar, beber e conversar.

Diários da China: Zhuhai 2

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A "estrada dos amantes"(情侣路, Qínglǚlù) conduz-me até uma gigante mulher de granito, os braços levantados para o céu numa oferenda: a pérola que a mulher-pescadora oferece ao povo de Zhūhăi (珠海), diz-se, traz luz ao mundo.
O turismo local afirma que esta estátua de dez toneladas é o símbolo da cidade mas, na verdade, apenas foi construída em 1982, inspirada numa linda e rebuscada lenda local. Vamos lá tentar uma versão resumida!
Em tempos idos uma fada, atraída pela bela baía de Zhuhai, disfarçou-se de pescadora e passou a viver entre os homens, mergulhando em busca de pérolas para se sustentar. Os locais apreciavam a menina pela sua ingenuidade, beleza e bondade e, em breve, ela ficou noiva de um honesto pescador, de seu nome Haipeng. Dando ouvidos a comentários maldosos, Haipeng pediu à fada que lhe oferecesse as suas pulseiras como prova de amor. 
Como filha do rei dragão do mar do sul, as oito pulseiras simbolizavam a sua imortalidade, mas ainda assim ela retirou uma pulseira, morrendo imediatamente nos braços do seu amado. 


A alguns metros da estátua, o Parque Haibin proporciona algumas sombras,
muito apreciadas nestes dias de calor. Clique na imagem para ampliar.

Diz-se que o arrependimento do noivo comoveu uma velha sábia, que lhe ensinou que ervas poderiam trazer a menina de volta à vida. O pescador encontrou a erva da ressurreição na ilha de Jiu Zhou e alimentou-a durante anos com lágrimas de sangue. Bem, a história tem um final feliz: a fada voltou a viver, agora como uma mortal e, no dia do casamento, ofereceu a mais bela e brilhante pérola alguma vez vista à venerável senhora que lhe salvou a vida...
Acho delicioso que tenham ressuscitado esta lenda em pleno século XX, mas o grupo de estudantes espanhóis que me acompanha retira muito encanto à fada-pescadora, dizendo que tem uma pose de Shakira!
Bem, esta pérola está também associada ao próprio nome da cidade onde fiquei nas últimas semanas: Zhuhai significa mar de pérolas porque é aqui no sul da China, mais precisamente na província de Guangdong (广东, Guăngdōng) que o rio das Pérolas desagua no mar. 
É uma pequena metrópole, para os padrões chineses, com cerca de um milhão de habitantes, muitos espaços verdes como o Parque de Haibin e uma longa costa que inclui 146 pequenas ilhas (por isso é também conhecida como a "cidade das cem ilhas").

Entrada do museu de Zhuhai.
Tal como no Brasil, a água de coco é muito apreciada no sul da China.


Se até aqui era um pequeno segredo no sul do país, Zhuhai começa agora a ser muito visitada pelos chineses que gostam de praia, apesar do calor húmido, sub-tropical, e dos tufões. A minha visita coincidiu com a época dos tufões, mas a única tempestade a que assisti não foi particularmente assustadora.  Aliás, algumas gotas de chuva são uma bênção por aqui.
Depois da chuvada, o calor volta e, em poucos minutos, estamos novamente transpirados e malcheirosos. Pelo menos estamos todos...



Diários da China: Zhuhai 3

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Com a minha nova amiga espanhola, Virginia Velilla.

Cerca de dois mil quilómetros separam Zhuhai de Pequim, o que se traduz em 17 horas de viagem de comboio ou dois dias de autocarro. Provavelmente, muitos moradores do sul nunca visitaram a capital, terão ouvido falar da grandiosidade e da perfeição da Cidade Proibida e de outras construções imperiais mas, como se sabe, muitas pessoas não têm qualquer capacidade de abstração ou compensam a falta de imaginação com a tradição. "Sempre assim se fez" e ponto final.
Perdoem esta minha tirada existencial, na verdade não posso dizer que conheço os chineses só porque tenho alguns amigos dessa nacionalidade ou a partir desta breve experiência num cantinho do seu imenso território.
De qualquer forma, é bem conhecida a sua tendência para copiarem em vez de criarem, fazem réplicas de Rolex e malas Prada mas tive dificuldade em encontrar uma loja de roupa tradicional. E nem me quero lembrar do pastel de nata made in China que provei... A civilização chinesa já não é a mesma que inventou o papel e a pólvora.
Em Zhuhai, existe uma réplica do Palácio de Verão de Pequim, preciosidade que tive oportunidade de visitar. A ideia foi recriar parcialmente o grandioso complexo de jardins e palácios de Yuan Ming (cinco vezes maior do que a Cidade Proibida), parcialmente destruído no século XIX, durante a segunda guerra do ópio.


Alunas da Coreia do Sul celebram o ano do carneiro.





A fachada é impressionante mas o desapontamento foi crescendo, desde o momento em que entrei no recinto. É com muita pena que escrevo isto, mas afirmo-o de uma forma categórica: conseguiram transformar um espaço que se pretendia pedagógico/museológico numa feira de horrores.
Como descrever o Novo Palácio Yuan Ming? Um cruzamento entre um parque aquático e uma feira da Disney deprimente? Podem achar que exagero, já que conheço muitos sítios históricos na Europa, portanto os meus termos de comparação serão exigentes...
Emoldurado por grandes montanhas verdejantes, o espaço está dividido em três áreas. A primeira inclui o portão da Rectidão e da Honra e o palácio onde se resolvia assuntos de Estado. Existe ali uma placa que diz "governo diligente e talentoso" (动政亲贤, dòng zhèng qīn xián) da autoria do imperador Kangxi, apelando ao empenho na governação e à cooperação com os seus conselheiros.
Na segunda, estão os aposentos privados do imperador, os "nove continentes de clareza e calma", com vários edifícios voltados para o belo Lago Fuhai. No meio deste, existe um terraço que acharam por bem baptizar de "terraço de jade da ilha paraíso". Por fim, a terceira área tem claras influências do barroco, revelando a curiosidade de alguns governantes da dinastia Qing para com os ocidentais.

Obras de arte em caramelo: um macaco e um dragão.
Era possível encomendar qualquer figura do zoodiaco chinês.
Cliquem na imagem,para ampliar.


Tudo isto parece muito bem, não fosse pelo facto de não existirem folhetos informativos sobre o que estamos a ver e sermos constantemente interpelados por vendedores, que nos tentam impingir uma fotografia. O preço da fotografia dependerá do fato que escolhermos, sendo os do imperador e imperatriz obviamente mais caros. 
Escolhida a indumentária, passa-se pela caracterização: sim, existe uma pequena penteadeira para compôr o penteado e a maquilhagem. Segue-se a pose para o fotógrafo no trono ou noutro espaço qualquer, perante dezenas de espectadores. Escusado será dizer que quem não comprou uma fotografia não tem acesso a esses lugares especiais. Ou queriam sentar-se no trono dourado sem pagar?
Logo ao lado - na verdade não existe qualquer separação - fica a Lost City, um parque de diversões com carrosséis, escorregas de água e barraquinhas de souvenirs manhosos. Portanto, esqueçam qualquer estado zen que um lugar como este poderia oferecer a um ocidental em busca de si mesmo.
Encontrei essa tranquilidade num templo em Foshan, uma outra cidade da província de Guandong, mas sobre isso falar-vos-ei noutra entrada deste diário irregular.




O primeiro álbum de fotos da China já está online, na página 
d'O Berço no facebook (espreitem aqui).

Arte em caramelo

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Rato, boi, tigre, coelho, dragão, serpente, cavalo, carneiro, macaco, galo, cão e porco - nem todas as figuras são  fáceis, mas os artífices manobram o caramelo com uma precisão milimétrica.

Um pequeno mimo para todos os leitores que comentaram a fotografia no álbum do Facebook (filmado no Novo Palácio de Yuan Ming, em Zhuhai, província de Guangdong, delta do rio das Pérolas, China).



Diários da China: Zhuhai 4

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Diz o ideário marxista que a riqueza deve ser justamente distribuída, certo? Acontece que política é política e economia é economia. Conduzir um Porshe na China já não é visto como um vício ocidental, importado do capitalismo. Um empresário pode ganhar cinquenta vezes o ordenado de um trabalhador comum e levar um estilo de vida compatível.
O consumo também está lá nos píncaros, como podemos constatar no bairro de Gongbei (拱北Gǒngběi), especialmente na Rua do Lótus (莲花路Liánhuālù), completamente repleta de lojas, restaurantes, barraquinhas de comida, bares improvisados... Muitos homens de negócios terminam aqui o dia, a beber, a jogar aos dados e a gracejar com as raparigas da noite.
Não esperamos que exista turismo sexual na China de Mao Tsé-tung e da revolução cultural, mas Gongbei é frequentemente descrito como o recreio hedonista dos empresários de Hong Kong, Taiwan e Macau (que fica, literalmente, ali a dois passos). Vimos várias dessas trabalhadoras, nos cabeleireiros do bairro, preparando-se para a noite. 
Nos casinos de Macau também se pode contratar o pacote completo: jogo, compras, estadia e acompanhante. Falaram-me ainda da existência de barquinhos enfeitados, em alguns pontos do rio das Pérolas, onde é igualmente possível encontrar-se companhia feminina.







Mas tergiverso. Voltemos a Gongbei que, para além das noites animadas, é conhecido pelas lojas de rua e ainda pelo centro comercial subterrâneo, remotamente parecido com um bazar marroquino, com os seus corredores labirínticos.
Nunca dominei a fina arte do regateio, mas aqui é essencial se alguém quer mesmo aquele fake Rolex, aquela fake Yves Saint-Laurent, ou qualquer brinquedo eletrónico. Infelizmente, encontrar roupa tradicional chinesa de qualidade é quase uma missão impossível.
De qualquer forma, dialogar com os vendedores é um passatempo muito divertido e também passo muito tempo (talvez demasiado) a olhar para todas as embalagens expostas nas prateleiras do supermercado, a tentar ler ou simplesmente adivinhar o que contêm. Tenho feito algumas descobertas extraordinárias, como aperitivos de ervilhas com vários sabores, mas a que mais me orgulha foram as garrafas de aguardente chinesa (白酒, bái jiǔ) a 3,5 yuans. Isto é cerca de 50 cêntimos, minha gente. Toda a gente se foi lá abastecer!




Este é o último post sobre Zhuhai: vamos rumar a outras cidades do sul da China. 
Quem quiser conhecer um pouco melhor a cidade, a zona de Gongbei e ainda Macau, pode espreitar o vídeo abaixo (em inglês).




Diários da China: a capital do kun fu

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O leão dança ao ritmo de tambores e gongos e as crianças juntam-se a ele, fascinadas com a personagem mítica. Manejado por dois dançarinos, o peludo animal, branco e verde, movimenta energicamente a cabeça e as mandíbulas, salta entre plataformas de várias alturas e abana a cauda, numa pausa brincalhona.
A dança do leão (wǔshī, 舞獅) é uma arte cerimonial que, entre muitos outros simbolismos, serve para exorcizar espíritos maléficos, para invocar sorte e felicidade.  Recordando a tradição de recolha de alfaces, este leão distribui a sua boa sorte em troca de notas de 100 kuais*. Os pais apressam-se a levar a sua prole até à figura mitológica com características de quatro animais sagrados - dragão, tigre branco, tartaruga e fénix -, dispondo-se a pagar pela fita vermelha portadora de boa fortuna.
Adiante, um grupo de discípulos desta escola de kung fu prepara-se para um ataque fulminante. Ah! Afinal estão apenas a posar para a foto, certamente um turista desembolsou para ser eternizado entre os guerreiros.





Estou em Foshan, província de Guangdong (广东, Guăngdōng), cidade chinesa muito famosa entre os seguidores de artes marciais. A região pariu o talentoso Bruce Lee e outros mestres, não tão famosos, mas maiores nestas artes guerreiras: Huang Feihong e Yip Man.
A dança do leão aconteceu precisamente no memorial de Huang Feihong (1847-1924), que integra o complexo do Templo Zu Miao, construído nos tempos da longínqua dinastia Song. Dedicado à deusa  taoísta do mar, ainda hoje os habitantes veneram aqui os seus antepassados. 
Para além de um lugar de fé, o espaço tem um carácter museológico, recordando o grande mestre de artes marciais Huang Feihong (黄飞鸿, Huáng Fēihóng), filho de um dos 10 tigres de Cantão** e também um especialista em medicina tradicional chinesa. 
Com apenas 17 anos, Feihong já tinha a sua própria escola de kung fu e pouco depois tornava-se um herói da resistência contra o Japão. A sua vida inspirou mais de uma centena de filmes e séries (assistam ao trailer da última saga, aqui).





Apesar de ser chamada de "cidade zen", Foshan é uma cidade em tudo ligada à guerra. Mas eu consigo abstrair-me completamente dessa vertente bélica; basta-me apreciar a arquitectura, os guardiões gigantes alinhados à entrada, os belíssimos telhados esculpidos em madeira. 
Aliás, o templo de Zu Miao ficará eternamente gravado na minha memória como um lugar de paz. Relaxada com o cheiro do incenso e o silêncio dos chineses que ali vêm deixar uma prece, embalada por umas finas gotas de chuva que abençoam a manhã quente, sorvo esta tranquilidade maravilhosa e deixo, também, um agradecimento por este momento genuíno, por nenhum sobressalto ter perturbado esta minha aventura, pelo meu filho que tem aguentado as saudades como um herói...
Não chega a ser uma prece, apenas uma comunhão com o mundo, comigo e com os outros. Os paus de incenso acendem, depois de alguma teimosia, e elevam os meus pensamentos no ar.




* A dança de leão é muito apreciada em ocasiões festivas, seja na inauguração de um comércio, casamentos, sendo indispensável no ano novo chinês. Nessa altura, os dançarinos e alunos de artes marciais recebiam dos comerciantes uma alface e um envelope vermelho com dinheiro. O leão, como um gato curioso, engolia a alface mas acabava por cuspir as folhas, ficando com o dinheiro. Com este gesto, a escola de kungfu comprometia-se a proteger o comerciante, em caso de necessidade.
** Durante a era dourada do kungfu surgiram 10 grandes mestres de artes marciais, conhecidos como os 10 tigres de Cantão (广东十虎),  que lideraram algumas sociedades secretas no final da dinastia Qing (a última), de carácter anti-imperial.

Diários da China: finalmente Cantão

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O meu primeiro contacto com a China foi muito atípico, é comum entrar-se no país através de Pequim. Por isso, tinha grandes expectativas em relação a Cantão ou Guangzhou (广州; Guǎngzhōu), a capital de província. Não dizem que viagens longas e expectativas gigantes andam de mãos dadas?
Por muito bonitos que sejam os templos e as casinhas típicas chinesas, não se conhece o país sem visitar uma grande cidade [Claro que também visitei Hong Kong, mas esta big cityé um caso particular, não só por causa do legado dos britânicos, mas também por se tratar de uma zona administrativa especial, para a qual nem preciso de visto].
Cantão é a terceira maior da China continental, a mega-metrópole do sul, com mais de 12 milhões de habitantes, um dos maiores centros industriais, administrativos e financeiros do país, que acolhe uma das maiores feiras do mundo (notícia sobre a Canton Fairaqui).
Daqui irradiou ainda o cantonês, a segunda língua mais falada na China, tão importante que a capital do país é mais conhecida no estrangeiro pelo seu nome cantonês (Pequim) do que pelo seu nome em mandarim (Beijing). 

A entrada no museu de Guangdong é gratuita, mediante a apresentação
de um documento de identificação com fotografia.
O Museu de Guangdong surpreendeu-me pela positiva. São 4 pisos repletos de
bom gosto, com destaque para a história e cultura desta província do sul da China.




A cozinha regional também é uma das mais conhecidas: dim sums, leitão assado, carnes agridoces ou dragão em jade branco (lagosta cozida ao vapor, com abóbora, que infelizmente não provei)... os cantoneses, como de resto todos os chineses, gostam muito de comer. Acontece que em Cantão se come, literalmente, de tudo. Diz o ditado que aqui se "come tudo o que tem pernas, excepto mesas, e tudo o que voa excepto aviões".
Cantão é uma cidade do século XXI que cresce na vertical, com museus de primeiro mundo, arranha-céus e edifícios espelhados, lojas de rua que vendem anúncios em neón como quem vende latas de coca-cola. 
O reverso da medalha? A poluição, que forma uma névoa permanente. Este é um problema de não somenos importância, o país é o maior emissor de dióxido de carbono do mundo, daí tantas pessoas usarem máscaras diariamente.
Fotografias bonitas só depois de uma boa chuvada e com um pouco de photoshop. Ora vejam a magnífica Torre de Cantão que, do alto dos seus 600 metros, foi a mais alta estrutura da China até ser suplantada por uma em Shangai em 2013. Construído por altura dos 16º Jogos Asiáticos, este cartão postal da cidade é muito difícil de fotografar. Não pela sua altura, mas porque a névoa de poluição constante lhe retira muita beleza. O ideal é fotografar à noite.






A cidade tem, no entanto, alguns pontos verdes que merecem uma visita, nomeadamente o Parque Yuexiu com os seus lagos artificiais, onde restam alguns vestígios da velha muralha e fica a famosa estátua das cabras. Esta peça é muito interessante, pois encerra uma lenda genesíaca.

Diz-se que a região era, na Antiguidade, muito pouco fértil. O povo sofria com a fome e tinha que trabalhar duramente para colher o magro fruto da terra. Eis que cinco imortais os visitam, trazendo consigo cinco cabras que, por sua vez, carregavam sementes de arroz nas suas bocas. A bênção das divindades e a nova sementeira de arroz trouxeram prosperidade à região que hoje é Cantão, razão pela qual esta é também conhecida como a "cidade das cinco cabras".
Esta história ficará eternamente guardada na pasta Cantão da minha memória, já para não falar do guia turístico que nos explicou tudo em mandarim, terminando a sua longa arengada com uma canção melosa em inglês, como forma de pedir desculpa pela sua fraca capacidade linguística. 

"Think about me everyday in your life. We don't say goodbye. Now, we are friends", rematou. Desde então, não tenho feito outra coisa senão pensar no Mr. Green...





Site do Museu de Guangdong aqui.





As imagens de Cantão e Foshan (post anterior) já estão na página do Facebook (aqui).

Macau: a China portuguesa

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A China é uma nação com muitas faces. Em Macau, os templos budistas contrastam com a arquitectura de estilo colonial, come-se dim-sum mas também bifanas e pastéis de bacalhau, a toponímia das ruas aparece em cantonês e português: Avenida da República, Largo de Santo Agostinho, Avenida Doutor Mário Soares, Calçada de S. Francisco Xavier, Rua de S. Domingos.
Um pormenor interessante em relação a estas placas; nem sempre os caracteres chineses correspondem ao nome português da artéria. A Rua do Padre António, por exemplo, significaria Rua dos Edifícios Altos, caso a tradução dos caracteres fosse literal. Possivelmente, o Padre António não é muito famoso entre os macaenses do século XXI.
Foi tão estranho como encantador voltar a ouvir a língua de Camões, depois de uma semana a falar apenas mandarim e inglês. É como um regresso a casa, a minha pátria é a minha língua, já cantava o Pessoa. 
O meu guia de hoje, (Chen Chang) também conhecido por Bradley, é natural de Pequim mas conhece a cidade como a palma das suas mãos e fala um português maravilhoso, com um leve sotaque angolano e algumas expressões brasileiras misturadas no discurso (estudou em Portugal, trabalhou no Brasil e em Angola).
Graças ao Bradley, não tive que planear esta visita ao pormenor e o dia foi muito bem aproveitado. Começamos na zona da Barra, no templo de A-Má, e fomos subindo em direcção do centro histórico, classificado pela Unesco como Património Mundial da Humanidade em 2005.








"Entre templos chineses, igrejas católicas, edifícios antigos, como o do Leal Senado, e fortalezas como o Quartel dos Mouros, a Fortaleza do Monte ou a Fortaleza da Guia, em redor da qual estavam situados alguns dos principais pontos de defesa da cidade, a história de Macau é revisitada e deixa à vista a evolução da cidade e convivência das culturas", escreveu o jornal Público por altura da nomeação.
De facto, a governação portuguesa, que durou mais de quatro séculos, deixou marcas indeléveis nesta cidade rodeada pelo mar. Os restaurantes têm garfos nas mesas, a calçada portuguesa cobre muitos passeios, as igrejas multiplicam-se, com os seus vitrais e anjos em marfim. Nesta manhã de domingo, ainda ouvimos os cânticos da missa que se celebrava na igreja lado do singelo Teatro D. Pedro V, construído em 1860 para celebrar aquele reinado.
Um pouco abaixo, fica a belíssima Igreja de S. Lourenço, onde desde o século XVI as famílias esperavam pelos marinheiros (na altura, avistava-se o mar dali), sendo por isso conhecida como a Igreja dos Ventos da Navegação Calma e também como a Igreja do Vento Favorável.
Depois da chuvada, que nos obrigou a uma pausa na tranquila Biblioteca Sir Robert Ho Tung - uma preciosidade para os investigadores sobre a presença católica no Oriente - o calor regressou em força, à medida que descemos para a Avenida Almeida Ribeiro, onde ficava o edifício do governo antes da transferência de soberania, e eterna residência dos bustos de Luís de Camões e de João de Deus.
As ruas estavam apinhadas de turistas, sobretudo chineses, e foi a passo de caracol que seguimos para o altar da cidade: as ruínas de S. Paulo. A fachada é tudo o que resta deste reduto jesuíta mas, ainda assim, é uma testemunha histórica admirável, umas das sete maravilhas portuguesas no mundo.


Matteo Ricci, um dos jesuítas mais famosos no Oriente.
O Casino Gran Lisboa, visto da Fortaleza do Monte.
Uma bifana remotamente parecida com a portuguesa, acompanhada de um galo de Barcelos.




A economia do jogo
Depois do almoço, atravessamos a ponte para a ilha de Taipa e um novo mundo abriu-se perante os meus olhos: o mundo da jogatina, que garante a economia de Macau. Os cerca de 50 casinos já bateram as receitas de Las Vegas, a ponto do governo chinês estar a limitar os vistos aos seus cidadãos, que ali perdem rios de dinheiro.
Evidentemente, a primeira paragem foi no casino Grand Lisboa, o primeiro a ser construído "na Las Vegas do Oriente, no Monte Carlo da China" (os chavões relacionados com o jogo multiplicam-se). Em frente ao edifício original, ergue-se outro Grand Lisboa muito mais imponente. Construído sob os princípios do feng shui, o novo casino evoca uma espada sobre uma maçã (, píng guǒ), fruta que, pela fonética, tem um significado muito positivo para os chineses pois assemelha-se a 平平安安 (píng píng ān'ān), expressão usada para desejar segurança, paz, prosperidade, etc.

Outros grandes espaços de jogo e compras são o Venetian, Hard Rock, Sands Cotai, MGM, Wynn ou Galaxy. Rumamos ao primeiro desta lista num dos muitos bus shuttles gratuitos. O marketing começa no próprio autocarro, onde somos bombardeados com publicidade: David Beckham é o rosto milionário do Venetian.

Tal como o seu irmão americano, a decoração do casino remete para Veneza, com canais artificiais repletos de gôndolas a atravessarem o mega centro comercial. O tecto imita o céu num dia eterno o que, somado à ausência de todo e qualquer relógio, nos faz perder completamente a noção do tempo. O objectivo é gastar, gastar, gastar seja no hotel, nas lojas ou nas mesas de jogo.
Eu, que tenho que voltar a Zhuhai, não posso alhear-me dos ponteiros e (cedo demais) é hora de regressar. Despeço-me de Macau e do meu novo amigo, que foi de uma amabilidade tocante, com um até breve.


Converti alguns momentos de Macau num pequeno vídeo caseiro (perdoem a qualidade, foi filmado com a máquina fotográfica)...


Os violinistas principiantes desafinam em qualquer parte do mundo






P.S. Quero agradecer muito à dupla de amigos que fizeram deste um dia memorável: D. Francisco Xavier III e D. Bradley Constantino. Espero retribuir a hospitalidade em breve!

Diários da China: o medo do desconhecido

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Várias pessoas me chamaram corajosa porque viajei até ao outro lado do mundo sozinha. Vá lá, há mulheres que o fazem todos os dias e medos todos temos mas, regra geral, os nossos monstros são maiores e mais temíveis que a realidade. 
Lembram-se do enredo de um dos filmes da saga Hangover, que se passa em Hong Kong? Sim, estava um pouco nervosa em relação ao primeiro impacto com a China, aterrei em Hong Kong à noite, no meio de uma tempestade, teria que apanhar um comboio para chegar a outra ilha e depois um autocarro para chegar ao hotel.
Sabia que em Hong Kong se fala cantonês em vez de mandarim (como se o meu nível de mandarim me safasse, bah!) mas tinha esperança que, ao contrário do que acontece na China continental, toda a gente falasse inglês numa cidade que esteve sob a administração britânica desde a Guerra do ópio até ao século XX.
Foi uma Ruthia jetlaged que, depois de mais de 15 horas de voo, entrou no Royal Pacific Hotel & Towers, em Kowloon, a meca do consumo. Chovia e eu estava muito cansada. Cansada demais para explorar mesmo as redondezas do hotel. 


Amanhece em Hong Kong.


Portanto, tudo o que fiz naquela noite foi assistir a uma série na televisão estranhíssima, descansar num maravilhoso e fofo colchão, depois de um longo duche, e aproveitar os mimos desta unidade hoteleira de quatro estrelas que me cobrou os olhos da cara... Valeu bem a pena, pois às seis e meia da manhã só tive que descer as escadas rolantes para apanhar o ferry para Zhuhai (recordem a cidade chinesa aqui, aqui, aqui e aqui).
Regressei a Hong Kong duas semanas depois, na companhia de alguns colegas espanhóis, com a energia necessária para explorar esta metrópole, uma das mais densamente povoadas do mundo, apinhada com sete milhões de pessoas inglesas, chinesas e de muitas outras nacionalidades.
Na manhã seguinte, como os meus companheiros só marcaram encontro às nove e eu sou um pintassilgo madrugador, palmilhei a Avenue of Stars sozinha. Porque os meus sonhos e a minha curiosidade são maiores do que os meus medos! Como é o ditado? Vai. E se der medo, vai com medo mesmo! Até porque, estou em crer que os malfeitores ainda dormem por volta das sete da manhã.
Recordo-me que procurava o mercado dos pássaros (em Hong Kong existem mercados para tudo, de flores a material electrónico, de antiguidades a frutos do mar secos) e, depois de duas tentativas junto de moradores da cidade, pedi indicações a um australiano de mapa na mão.
Sorry, I'm as lost as you!
I am not lost, I know where my hotel is... - respondi, com uma gargalhada.
That's a way to put things!
O simpático pescador apanha peixes-pedra. "They are small... for soup is ok".
Um oásis móvel, na praça dos Museus, em Tsim Sha Tsui.



Acabei por ser eu a ajudar o turista ruivo e sotaque engraçado, que buscava o escritório da American Express mas nem sabia que HK é composta por duas grandes ilhas, a de Hong Kong e a de Lantau (onde fica o aeroporto e o mais maravilhoso Buda gigante do planeta), para além da península de Kowloon e muitas outras ilhotas pequenas. 





Hong Kong, a China de sotaque inglês

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A flor da bandeira de Hong Kong chama-se bauhinia blakeana, em honra do
governador Henry Blake, e é uma espécie de orquídea local.

Oriente e ocidente encontram-se aqui, nestas ruas cheias de luz, por entre gigantes arranha-céus projectados por arquictetos de renome, táxis vermelhos para lá de velhos e autocarros de dois andares, que circulam do lado errado da estrada.
Apesar de ultramoderna, a cidade parece conviver de forma pacífica com casas coloniais do tempo dos britânicos, pagodes chineses ou templos budistas. Os contrastes são tantos e tão difíceis de assimilar em apenas dois dias: há mar e montanha, lojas caríssimas e mercados de rua, poluição e incenso, meditação e aparelhos eletrónicos, Buda e Mickey (sim, existe lá um parque da Disney, na ilha de Lantau, onde também mora um buda maravilhoso de que vos falarei num futuro post)...
Vamos lá começar a nossa jornada na zona de Kowloon, percorrendo uma parte da Nathan Road, também chamada de Golden Mile, por ter tantas lojas e hotéis. No meio desta azáfama consumista, alguns quarteirões ficaram sob o monopólio de "comerciantes informais", vindos do Bangladesh ou da África subsaariana. As marcas mais conhecidas também estão aqui representadas, claro, mas isso não me faz a mínima diferença. Não atravessei meio planeta para ver montras... apenas uma me atrai como um íman e chama-se STARBUCKS! 


Uma menina comemora a vinda de um irmão na varanda no IFC,
o edifício mais alto de Hong Kong.

Dose diária de cafeína tomada, seguimos em direcção a Victoria Harbour, um braço do Mar da China Meridional que nos separa do continente. Não chegamos a percorrer a Avenue of Stars repleta de artistas que desconheço (regressei no dia seguinte, para a pose fotográfica junto do Bruce Lee), virando à direita para a Clock Tower e o terminal que ferry que nos levará até à ilha de Hong Kong.
Podíamos atravessar de metro também, mas o barco é a opção mais barata, para além de nos brindar com uma vista fantástica: aqui fica o centro da cidade, alguns dos maiores edifícios do mundo, incluindo o International Finance Centre, ou IFC, as grandes empresas. Percorremos as artérias que alimentam este coração agitado, deambulamos pelas ruas apinhadas, ajudados durante alguns quilómetros por um gigantesco sistema de escadas rolantes (o maior circuito ao ar livre do mundo, sempre a subir), até chegarmos ao Soho.
Sim, leram bem: o Soho. O bairro londrino é tão charmoso, que toda a gente quer ter um recanto boémio parecido, com bares e restaurantes pequeninos, a transbordarem clientes para as ruas e passeios, com mais estrangeiros por metro quadrado do que chineses.

Um pastel tradicional, um coração para os meus amores que estão longe
e um gato da fortuna (cima). Um recanto florido no meio do betão
e o pôr do sol no Victoria Peak (baixo).



Mas se pudéssemos gravar uma única imagem de Hong Kong, seria a paisagem desde Victoria Peak. Olhando para a cidade aos nossos pés, vemos um dos melhores portos do mundo e uma linha de horizonte tão improvável e audaciosa que, como alguém escreveu um dia destes na Time, faz Manhattan parecer provinciana. Para além das montanhas, vislumbramos a China continental, vagueando o olhar à medida que o sol se põe e as luzes da cidade se acendem, como se o Natal tivesse chegado mais cedo.
Terminamos o dia junto ao mar, com uma Sinfonia de Luzes. Aí está uma ideia brilhante de marketing turístico: a cidade tem muitos prédios? Transformem-se estes edifícios num espectáculo de luz e música diária. Resultado, todos os dias os turistas se sentam aqui, neste calçadão, para uns minutos de pausa e deslumbramento. Não tivemos a sorte de assistir a uma sinfonia completa com fogo de artifício, mas já valeu a pena!
Nós vamos ali jantar um sushi! São servidos? Ainda regressaremos a Hong Kong para um último post e a despedida da Ásia.


H2O, Água no Jardim

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A manhã às vezes fica muito longe / Perco-me então por caminhos de água / 
Na língua que te despe o sol / Respira rente à relva (Eugénio de Andrade, in Véspera da Água)






Despedimo-nos do Verão nas margens do Lima, o rio que as tropas de Decius Junius confundiram, no tempo em que sandálias romanas pisavam a Península Ibérica, com o Letes, o rio do esquecimento.
Voltámos à vila minhota de Ponte de Lima por causa do Festival Internacional de Jardins, que este ano tomou o signo da água (recordem a edição de 2014 aqui). As propostas chegaram de todo o mundo e, como habitualmente, foram escolhidos 11 jardins para saltarem do papel.
O som de uma queda de água, o rebentamento das ondas na praia, o murmúrio de um ribeiro, o jorro de uma fonte ou a quase imperceptível sonoridade de um olho (como as gentes locais chamam às nascentes)... os rios que tanto dizem aos minhotos, as levadas, os regadios, os moinhos, a chuva... as fontes de inspiração jorraram e os resultados foram surpreendentes.
É mais livre e maior o rio da minha aldeia. […]  
Ninguém nunca pensou no que há para além  
Do rio da minha aldeia. […]  
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada 
Quem está ao pé dele está só ao pé dele. (Alberto Caeiro, 1993) 









Do Brasil chegou H2O, um jardim onde as moléculas de hidrogénio e oxigénio são protagonistas, enquanto em O Jardim do Ciclo da Água fomos ungidos com finíssimas gotículas de chuva, uma proposta vinda da Irlanda. No jardim Make a Wish, os arquitectos paisagistas evocaram a tradição de lançar uma moeda na água: "A água é o elemento vital da nossa existência. Ao confiar-lhe os seus sonhos, a mesma pode concretizar o que deseja. Surge assim a ideia de evocar a tradição de pedir um desejo na presença de um elemento de água, aliada ao acto de soprar um dente-de-leão, na esperança que o desejo se concretize".
Os autores de Água, um ano no Jardim conduziram-nos ao longo das quatro estações, embalados pela doçura de um riacho primaveril, pelo marulhar das ondas, pelas chuvadas outonais, até rebentar numa tempestade invernosa.
E o Senhor plantou um jardim, do lado oriental  (...) e saía do Paraíso um rio para regar o jardim; e dali se dividia e se tornava em quatro braços ...Pison; ...Geon; ...Tigre; ...Eufrates (Génesis 2: 8-14).




O pequeno explorador gostou particularmente do jardim polaco, inspirado na vida transparente de um aquário e d' A Casa da Água (Espanha) com um ecossistema completo que até tem rãs, isolado do exterior por um muro em espiral de madeira e bambu.
Já o meu jardim favorito, FA D'EAU, foi idealizado por franceses e soma a nota musical fá com o termo francês d'eau, ligando o jardim e a música e remetendo foneticamente para o fado. Este jardim de águas musicais inspirou-se nos jardins do Renascimento italiano e nos jogos de água de Versalhes, deixando o visitante chefiar a orquestra.
Os jardins efémeros podem ser visitados até ao final deste mês e, devo dizer, para além do lado artístico, o recinto é perfeito para um passeio perfumado: há por lá limões, flores, ervas aromáticas, baloiços, jardins miniatura concebidos pelos alunos do ensino primário, cabaças suspensas.
Ao lado, o Lima continua o seu caminho, envolvendo-nos: o rio esperava sempre visitas e aperaltava-se de verdura verde e céu límpido pela transparência da luz(Ruben A., In A Torre da Barbela).

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Nota: Interrompi a série China porque o Festival de Jardins termina no final de Outubro (corram) e porque alguns leitores estavam com saudades do pequeno explorador. Na próxima semana, haverá um último post sobre a minha aventura asiática.
Site do Festival: www.festivaldejardins.cm-pontedelima.pt
Entrada: 1€ adultos / grátis para crianças até aos 12 anos 


Já vos disse que visitei o Buda?

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Hoje despeço-me do Oriente num lugar cheio de paz, com um provérbio chinês que diz "不怕慢,就怕站"(não tenhas medo de ir devagar, tem medo de ficares parado). Ainda tenho muito mundo para desvendar mas... devagar se vai ao longe
Deixei o agitado coração de Hong Kong para trás, num comboio ultra-rápido que me levou até Lantau, a ilha maior e também a mais deserta. Lantau tem três lugares importantes: o aeroporto internacional de HK (uma das portas de entrada para a China), o parque da Disney e um Buda maravilhoso, no topo de uma montanha. O maior buda sentado ao ar livre do mundo!
Subimos até lá para visitar o Tian Tan Buddha, mais conhecido como Big Buddha, num autocarro lotado e sem ar condicionado, num dia em que a temperatura rondaria os 40ºC. "That Buddha better be big and awesome!", disse eu para um dos meus companheiros, enquanto tentávamos não cair para cima de outros passageiros, sortudos por irem sentados numa estrada cheia de curvas.

Na verdade, o Buda é maior e mais fantástico do que a minha fantasiosa imaginação congeminou. Uma guarda de honra de 12 generais divinos antecede o pacífico gigante, sentado numa flor de lótus e voltado para norte, para proteger o povo chinês.






O seu semblante sereno acalma esta ocidental de cabeça sobreaquecida: a mão direita está levantada numa bênção "fear-not mudra", reveladora do seu voto e da sua missão, a saber, eliminar o sofrimento de todo o ser vivo. Mas para ver de perto esta magnífica estátua de bronze (com um pouco de ouro no rosto), de 34 metros de altura e mais de 250 toneladas, tenho que vencer 268 degraus.
268 degraus e um calor abrasador! Vi vários turistas a desistirem. Por outro lado, um venerável monge não só subiu sem sinal de fadiga, como ainda se ajoelhou em cada escada, reverenciando o Buda.
Seis devas femininas ajoelham-se aos seus pés, oferecendo flores, incenso, luz, unguentos, fruta e música, que simbolizam algumas virtudes essenciais: caridade, discernimento, paciência, zelo, meditação e sabedoria. Juntei-me a elas numa contemplação muda, a ponto da esmagadora paisagem em redor quase me passar despercebida.
Despertei do meu transe para me abrigar do sol e, no interior, pude conhecer alguns pormenores interessantes sobre este lugar. Primeiro, surgiu aqui um pequeno mosteiro (1906), que sofreu vários acréscimos ao longo dos anos. A estátua do Buda é bastante recente neste contexto, data apenas de 1993, depois de 12 anos de trabalhos realizados pelo Departamento de Aeronáutica da China.

O meu lugar favorito
Estou plenamente consciente que conheço uma ínfima parte deste país de dimensões continentais. Não fui sequer à capital, à grande muralha, ao mausoléu de Mao Zedong, à Cidade Proibida, ao palácio de Verão em Pequim. Mas já tenho um lugar preferido na China, que será muito difícil de destronar.
Não sei quanto tempo permaneci junto ao Grande Buda mas, eventualmente, acabei por descer para almoçar e visitar o templo de Po Lin, ali ao lado, um dos mais importantes santuários budistas do sul da China, residência de muitos monges como aquele que vi, no seu caminho de fé.





Vários peregrinos concentram-se à entrada do complexo, para queimar incenso, prática proibida no interior, possivelmente para impedir intoxicações, dada a quantidade que é queimada diariamente. 
Antes de entrar no templo principal, leio os caracteres "Po Lin", que significam lótus precioso (símbolo budista para pureza) e, na quietude do interior, sou recebida por três estátuas de Buda, representando as suas vidas passadas, presentes e futuras. Cada edifício é maravilhosamente trabalhado, dos tectos coloridos pendem grandes lanternas, e uma paz envolve-nos, com um cobertor quente numa noite de chuva.
E, quando acho que nada mais me pode surpreender, chego ao Great Hall of Ten Thousand Buddhas que, como o nome indica, possui milhares budas incrustados nas paredes, em pequenos nichos, e algumas maiores, tão douradas quanto emocionantes.
Sabem que não sou uma pessoa religiosa mas, na verdade, há lugares que nos falam à alma, ao nosso lado espiritual. Senti esse apelo em três sítios distintos, na minha curta existência: em São-Pedro-de-vir-a-Corça (Idanha, Portugal), na église de la Madeleine (Paris) e no mosteiro de Po Lin (Lantau). Sinto-me muito abençoada por ter vivido estes momentos que, infelizmente, não posso partilhar convosco, porque as palavras são sombras esconsas de algo maior!
É com este sentimento de paz que me despeço, para já, da China! 再见,中国!





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P.S.  - Tanto os templos do complexo de Po Lin como o Buda de Tian Tan têm entrada gratuita. Exige-se apenas aos visitantes respeito e vestuário adequado.

P.S.1 - Ficou por realizar o "caminho da sabedoria", adjacente ao templo. A caminhada passa por 38 colunas de madeira, dispostas num padrão de infinito (∞), onde o professor Jao Tsung-I esculpiu o Heart Sutra. Esta oração breve enaltece a meditação e o caminho da sabedoria e é pronunciada por budistas, taoistas e confucionistas.

Si vienes a Madrid, ya eres de Madrid

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Já é tempo do meu coração e a minha cabeça se despedirem do Oriente e retornarem à Europa, para se juntarem ao corpo que está cá há mais de dois meses.  O regresso faz-se por Madrid, a cidade espanhola que disputa com Barcelona as preferências dos turistas.
Como comparar a excêntrica Barcelona, banhada pelo mar, à recatada capital madrilena, plantada no meio do país? Madrid, a sede da monarquia, foi o centro de um vasto império, pilar da fé católica, da fanática Inquisição e da evangelização forçada das Américas. Barcelona foi uma (re)invenção do século XX, sustentada por grandes eventos como os Jogos Olímpicos (1992) e o Ano Gaudí.
Madrid é um expoente artístico, com os Goya, os Velasquez, os Mirós e a mítica Guernica que habitam a tríade Prado, Reina Sofia e Thyssen-Bornemisza. Barcelona é a exuberância da Casa Batló, do Parque Güell e da Sagrada Família. Madrid é a majestade do Palácio Real e a elegância do Parque do Retiro. Barcelona veste uma camisola listrada com o nº 10 (do Messi), enquanto Madrid, como se sabe, adora o nº 7 do Cristiano Ronaldo.
Mas as eternas rivais têm muito em comum, a começar pelas tapas, a forma como os habitantes vivem la calle, os gestos expansivos e as palavras que voam, rápidas e em bom som.

Palácio das Comunicações e, em frente, a Fonte de Cibeles.


A caminho da Gran Vía.


O transfer despeja-me na Praça de Cibeles, onde a imponente deusa foi eternizada em mármore sobre um carro puxado por leões, segurando as chaves da cidade. Sigo para o Palácio das Comunicações, por sugestão da Susana, do blog Desbravando Madrid (link aqui), que foi tão amável que até preparou um mapa para o meu roteiro personalizado. Que belo é este palácio, que em tempos funcionou como uma mera central de correios: há por lá arte contemporânea, espaços de leitura, um miradouro.
Da Porta de Alcalá, que Sabatini projetou a pedido do modernizador D. Carlos III, desço a Broadway madrilena, que é o mesmo que dizer Gran Via, a avenida movimentadíssima com carros, lojas e teatros, vislumbro o D. Quixote e outras personagens de Cervantes na Praça de Espanha, para chegar ao Templo de Debod, o cantinho egípcio, onde encontro outra viajante solitária, de Hong Kong e a estudar em Londres.
Um templo núbio-egípcio é muito estranho no contexto madrileno, já que os dois países não tiveram grandes ligações históricas. Na verdade, tratou-se de uma oferta do Egipto por causa do apoio espanhol junto da Unesco que culminou na mudança, pedra a pedra, do templo de Abu Simbel que corria o risco de ficar debaixo das águas do Nilo (recordem Abu Simbel aqui).
Ao longe, destacam-se os pináculos do Palácio Real, uma das residências oficiais dos Borbón, inspirado nos desenhos de Bernini (sim, continuo apaixonada pelo napolitano) para a construção do Louvre. E ao lado, fica a Catedral de Almudena, onde os atuais reis de Espanha se casaram sob a bênção da padroeira da cidade. 

                   © queveren.org/
O Dia da Virgem de Almudena celebra-se a 9 de Novembro, data em que foi descoberta
pelo rei Alfonso VI, num depósito de trigo (que os árabes chamavam de "almudín").



Os turistas juntam-se aos magotes por aqui, pelo que arrepio caminho logo depois de conhecer a Virgem de Almudena, a mais preciosa relíquia local, que terá sido trazida por um discípulo do apóstolo Santiago em 38 d.C., e que ficou escondida durante os 300 anos de domínio muçulmano!
Por esta altura, os roncos da fome tornam-se audíveis, pelo que rumo ao super charmoso Mercado de San Miguel, onde pequenos aspersores refrescam o ambiente, os petiscos consolam a alma e montes de gente mete conversa comigo (ouvi até alguns elogios inesperados, que me fizeram corar como uma adolescente)!
Mas ainda há muita cidade para palmilhar, a começar pela histórica Plaza Mayor, da época dos espadachins, onde se faziam autos-de-fé mas também beatificações, coroações e até corridas de touros. Sento-me no chão desta praça pejada de gente, a absorver a energia do lugar, repetindo os mesmos gestos junto da buliçosa Porta do Sol, onde os madrilenos olham ansiosamente o relógio da Casa do Correio, para celebrarem a passagem de ano.
A minha passagem ultrassónica por Madrid termina no Parque El Retiro, de uso exclusivo da família real até ao século XVIII e hoje um fenómeno de sucesso, palco de tantos eventos que os ecologistas se queixam da excessiva pressão humana: os castanheiros das Índias até estão a perder as folhas, coitadinhos! 
Passeio apenas uma hora neste belíssimo espaço verde que se estende por 125 hectares, antes de voltar ao aeroporto Barajas, onde uma mala e um voo me esperam. 



Muito obrigada à autora do Desbravando Madrid por ter planeado este roteiro 
de um dia para a menina d'O Berço do Mundo.






Preço do transfer (aeroporto express): 5€
Serviço de guarda-malas do aeroporto de Barajas: 10€ por mala (para mais de 2 horas)

Jóias escondidas da Europa

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© forum.bracarae.com
O jornal britânico Telegraph selecionou recentemente várias pérolas europeias, lugares que se destacam pela sua autenticidade e beleza, mas que não são muito conhecidas pelos turistas (aqui). Atrevo-me a dizer que continuam maravilhosas, em parte, porque ainda não conhecem o peso esmagador do turismo. Três cidades portuguesas surgem nesta lista: Guimarães, Braga e Tavira (recordem a pequena localidade algarvia aqui).
O Berço dedicou já vários posts a Guimarães, ou não fosse este o lar onde invariavelmente regressa, pelo que hoje vos propõe um tesouro bracarense. Ou seja, este post é uma espécie de matryoshka, um segredo dentro de um segredo. O nome desse segredo chama-se Mosteiro de S. Martinho de Tibães e fica a cerca de seis quilómetros do centro de Braga.
Uma distância curta mas que é suficiente para isolar esta que foi a casa-mãe da ordem Beneditina em Portugal e no Brasil (do séc. XVI até à extinção das ordens religiosas, no século XIX) e um dos mais ricos e poderosos mosteiros do norte do país.
Um imponente cruzeiro renascentista recebe os visitantes que se aventuram por estas terras rurais, abundantes em água, campos de milho e estradas empedradas. A fachada do edifício, apesar do tamanho, nada tem de extraordinário. Mas os historiadores dizem que o mosteiro tem um "extraordinário significado histórico, artístico e cultural", pelo que lhe damos o benefício da dúvida.







De facto, no interior e nos jardins escondem-se algumas maravilhas dignas de serem vistas, como o altar-mor da igreja, descrito como um dos "mais espectaculares exemplos conhecidos de talha rococó", o órgão barroco, os azulejos do claustro e as cadeiras do coro cheias de relevo (nota mental, não mexer nas cadeiras durante a missa. Não sei o que é pior, se o susto que estrondo provoca, se a vergonha de ver tantas cabeças viradas na nossa direcção).
Parece que a sua importância se deve também ao facto de ter sido o estaleiro-escola de grandes arquitectos, mestres pedreiros e carpinteiros, entalhadores e outros ores (como douradores e escultores) importantes  para a arte portuguesa dos séculos doirados de setecentos e oitocentos.
Mas não vos vou maçar com datas e factos históricos, o lugar pode ser apreciado também e apenas porque é um lugar bonito e tranquilo. Porque não juntar o útil ao agradável e conhecer o mosteiro de Tibães durante uma das suas actividades culturais? Sim, porque o espaço é regularmente animado com espectáculos, concertos, exposições de fotografia, yoga, desfiles de moda, programas para as férias infantis, até já acolheu uma festa da revista Caras (aqui)...
Deixo-vos algumas imagens de uma manhã de domingo feliz, numa das muitas pérolas desconhecidas da Europa.





Site do mosteiro aqui
Bilhete normal 4€ (grátis para crianças até aos 12 anos)




P.S. - este foi um fim-de-semana muito triste para todos nós, enquanto raça humana. Hesitei bastante sobre se havia de fazer referência às tragédias de Paris e de Mariana (MG, Brasil), que me chocaram particularmente, por razões diversas. Optei por não fazer um post, apesar de conhecer os dois lugares em questão, mas queria deixar uma palavra de conforto a parisienses e mineiros. Melhores dias virão!


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