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Os sorrisos, a bruma que troveja e a pegada da rainha

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Foi uma longa viagem até Malange, a província natal das grandes palancas negras, esse símbolo da selecção angolana em vias de extinção. Algo se destaca ao longe, no meio da savana, parece uma manada de elefantes em fila indiana. Mas as sombras agigantam-se e eis-nos perante as Pedras Negras de Pungo Andongo, anomalias geológicas com milhões de anos.

Como se não bastasse a sua imponência (algumas erguem-se a mais de 250 metros do chão), o lugar está possuído de uma aura de magia, talvez por causa de todos os mitos e lendas que se lhes atribui. Dizem que os reis Ngola se refugiaram em Pungu-a-Ndongo e aqui praticaram torturas ou bacanais (depende da versão). Aqui terão deixado ainda as suas pegadas, uma é atribuída ao rei Kiluange e outra à rainha Ginga. Pegadas bem grandes, por sinal, nada prováveis para uma senhora, mesmo com estatuto quase sobrenatural.

Infelizmente, as sombras alongam-se e o Miguel apressa-nos. As estradas não têm iluminação pública e não lhe apetece partir um eixo, num lugar onde os telemóveis são inúteis. Há que chegar a Kalandula antes de anoitecer completamente.






Na manhã seguinte, espera-nos uma das mais belas 7 Maravilhas Naturais de Angola: as Quedas de Kalandula. Conhecidas como Quedas Duque de Bragança, no período colonial, são as segundas em ordem de grandeza do continente e fazem-se anunciar sonoramente logo que estacionamos. Como acontece nas Cataratas de Vitória, no rio Zambeze, parece que "o fumo troveja".

Infelizmente, não estamos sozinhos. Várias crianças costumam deambular por ali, pedindo uma moeda, em troca da vigilância do carro ou de uma visita guiada. Mas hoje o lugar está particularmente apinhado, graças a um grupo de adolescentes de uma igreja evangélica, que veio acampar. Realmente, não parece nada de extraordinário face ao esmagador potencial turístico do sítio. Acontece que os garotos nos perseguem, com um misto de curiosidade e, em alguns casos, uma pontinha de provocação.

Tenho que me sentar pacientemente numa pedra, com vagares de budista, até a maior parte se desinteressar destes estranhos alienígenas, algo pálidos por sinal. Só então conseguimos apreciar a beleza das águas que se precipitam alegremente, de 105 metros de altura, para continuarem depois mais mansamente o seu curso no Lucala, o maior afluente do Kwanza. 

Os habitantes dizem que aqui não há jacarés, mas as águas escondem outros perigos: sereias que atacam os visitantes solitários e lhes sugam o sangue....




Com uma extensão de 410 metros e uma altura de 105, as Quedas
de Kalandula são as segundas maiores de África



O pequeno Domingos, a apreciar as frutas cristalizadas do bolo rei.


O sol envergonhou-se. Aliás de noite caiu uma chuva miúda (e eu que sonhei ver uma verdadeira tempestade africana) pelo que os dois famosos arco-íris não apareceram hoje. Normalmente são dois, um casal, dizem os angolanos.

Cruzamo-nos com outra família estrangeira que parece constrangida com a atenção que suscitou. Está visto que não conseguiremos um momento de meditação neste lugar maravilhoso, pelo que voltamos à estrada, não sem antes entregar o bolo rei que nos resta ao pequeno Domingos. O miúdo de 10 anos fez um trabalho fantástico a vigiar o carro, enquanto nos seguia para todo o lado... Pergunto-lhe se anda na escola. Diz que sim, está na 3ª classe.

- Gostas de estudar?
- Sim senhora, estou quase a aprender a escrever.
- Como? Mas não andas na terceira classe?
- Sim senhora, mas fica difícil escrever o meu nome...

Não sei o que replicar a tal argumento, pelo que me limito a entregar-lhe o bolo prometido, que agradece com um sorriso, divide com um amigo e engole com gula. 


Cliquem nas imagens, para aumentar. Hoje vale a pena.






Surpreendentemente, o Miguel ainda nos quer levar às Quedas de Musseleje, a 20 km. Após uns rápidos cinco quilómetros de asfalto, espera-nos quinze de picada africana, após uma noite de chuva. Que aventura!

Sentimo-nos exploradores no meio deste nada, cercados por vegetação. De longe a longe, um kimbo esquecido pelo mundo interrompe a paisagem, com casas feitas de adobe e telhados de colmo ou zinco. As crianças acenam, sorridentes, enquanto as cabras se afastam calmamente do caminho. Pedem-nos bolachas, bolachas, sempre bolachas. Suponho que qualquer guloseima seja rara num sítio onde não há água canalizada, electricidade, gás ou casas de banho.

E não são só as crianças que pedem.

- Mamã grande, uma bolacha pra nha filha.
- Não tenho - lamento eu, profundamente (porque raio não meti meia dúzia de pacotes de bolacha Maria no saco?). Ela encolhe os ombros, num paciência! e segue o seu caminho.

Adiante, paramos para pedir indicações, porque não há placas. Que digo eu, se nem sequer há sinais de trânsito, se nem sequer há estrada! Temos que voltar para trás, diz uma senhora de voz meiga, com um bebé preso nas costas. Sorri, um sorriso grande, aberto, sem maldade e eu tenho vontade de sair do carro e perguntar-lhe tanta coisa.






Se é feliz ali, apesar de faltar tudo aquilo que consideramos básico. Sabe, é que nós lá na parte de cima do mundo andamos muito infelizes com a vida, com os impostos, os políticos corruptos, o colesterol e outras ninharias. Queria muito perguntar-lhe o que espera da vida, que sonhos lhe sustentam o coração, como põe comida na mesa.

Controlo a minha curiosidade, que direito tenho eu de lhe pedir que desnude a alma?! E seguimos para as Quedas de Musseleje, modestas em comparação com as anteriores, mas todas para nós. E aqui, finalmente, sentamo-nos, respiramos fundo, deixamos o pensamento vaguear.

Não sou a mesma pessoa antes e depois desta viagem. Só não sei colocar essa mudança subtil em palavras...



P.S. Depois de tantos os pedidos, aqui fica mais um vídeo, mas desta vez não é caseiro.





A árvore sagrada

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O embondeiro estava lá, esplêndido, imóvel, centenário, imponente. São muitos adjectivos, eu sei. Mas perante ele nada pensei, nada verbalizei, ele remeteu-me ao silêncio do respeito. 






Os sobas dizem que os embondeiros já nascem velhos e talvez tenham razão. No meio da savana contemplam o mundo com o vagar da experiência, económicos em gestos: nem sequer se agitam ao vento.

Florescem apenas durante uma noite no ano inteiro, porque têm tempo, têm muito tempo. A sua vida pode chegar aos seis mil anos, só a sequoia e o cedro japonês os batem em longevidade. De certa forma, são árvores da Criação: nasceram com o mundo, já velhas e sábias. Lá diz o provérbio "a Sabedoria é como o tronco do embondeiro. Uma só pessoa não o consegue abarcar".

Embondeiro, imbondeiro ou baobá - podem ser chamados de forma diferente em Angola, Moçambique, Senegal (é o símbolo nacional), Madagáscar ou mesmo no Brasil, para onde foram levados pelos escravos. Mas onde estejam, marcam a paisagem e inspiram lendas. Uma dessas estórias conta que se um morto for sepultado dentro de um embondeiro, a sua alma viverá enquanto a planta existir.







Outra lenda africana conta que o embondeiro, por ter inveja das outras árvores, foi castigado pelos deuses e posto de cabeça para baixo. Os árabes contam algo parecido, dizem que o "Diabo desenterrou o embondeiro, enfiou os ramos na terra e deixou as raízes no ar". Olhando para ele, compreendo o porquê destas estórias. O tronco bojudo, os galhos retorcidos que mais parecem raízes, os frutos secos que pendem enormes, o contraste da árvore com os tons do pôr do sol que evoca um teatro de sombras...

Este tronco é abençoado, pode armazenar milhares de litros de água, daí resistir a grandes períodos de seca. Pode servir de abrigo, de loja, celeiro e até de sepultura. O conto O embondeiro que sonhava pássaros fala precisamente de João Passarinheiro, um ancião vendedor de pássaros, que morava num embondeiro.  

"A residência dele era um embondeiro, o vago buraco no tronco. (...) Os portugueses se interrogavam: onde desencantavam ele tão maravilhosas criaturas? Onde, se eles tinham já desbravado os mais extensos matos?"(Couto, 1990, p. 63). Na narrativa de Mia Couto, o embondeiro - metáfora da resistência contra a força colonizadora - serve de abrigo às personagens fatigadas.






Fabulações dizem vocês. O documentário A Guerra da Água (1995), de Licínio Azevedo, rodado em Moçambique prova que, de facto, os embondeiros são usados como abrigo em várias situações. Podia falar das maravilhosas propriedades (medicinais e afrodisíacas) da múcua, o fruto do embondeiro, que é a nova descoberta da medicina ocidental. Haverá mais de 80 investigações em curso para estudar as muitas propriedades desta árvore que habita a paisagem, a história e a mitologia do continente africano.

Mas a magia desta árvore reside na sua narrativa. Ela sussurra-nos África, aquela dos mercados coloridos e barulhentos, dos panos de cores garridas, das mães que transportam crianças nas costas. Conta-nos daquela África de sol escaldante e chuvas torrenciais, de terra vermelha e casas de adobe, em perfeita harmonia com a natureza. Ela mostra-nos aqueloutra África com crianças de sorrisos abertos e olhos esperançosos.

"Quando se passa parece que se evola do vegetal gigante uma aura tranquila e protectora. Como se nos visse e nos cedesse um mínimo da sua alma de tempo"(Glória de Sant'Anna, Ao ritmo da memória).



P.S. Com este post me despeço de África, pelo menos por agora. 
Podem ver estas e outras imagens da minha passagem por Angola, na página do FB d'O Berço do Mundo (aqui).



O Berço recomenda: Caminho do Amor

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© Caminho do Amor (FB)

Ele chama-se Alexandre e trabalha com números. Ela chama-se Anabela e trabalha com palavras. Juntos, são um casal de Vagamundos apaixonado por este mundo que Alguém nos deu de presente.

Para além das crónicas das suas viagens no blog, a Anabela e o Alexandre lançaram recentemente uma obra emotiva - Caminho do Amor. Diário de um Caminho a dois rumo a Santiago - resultante de uma aventura muito particular. Eles contam ali a jornada de 800 quilómetros entre Saint-Jean-Pied-de-Port (França) e Santiago de Compostela (Galiza) que os obrigou a transpor, a pé, montanhas colossais e extensas planícies de terra batida, campos de cultivo e densas florestas.

Eles palmilharam debaixo de chuva, quando o sol brilhou no céu e quando o vento os fustigou impiedoso. Persistiram quando o nevoeiro não deixava antever mais que um metro adiante e quando as pedras escorregadias fizeram o chão fugir debaixo dos seus pés. Superaram as dores físicas e os fantasmas mentais, fizeram uma família no Caminho, olharam para dentro de si próprios e reforçaram um Amor de sete anos.




Fizeram-no porque precisavam de se esforçar para além do que é normal, de se cansarem para não viverem uma vida cansada, de sentirem dor para não levarem uma vida em que já nada se sente (p. 11)Ao longo desta obra despretensiosa, choramos com eles, as suas angústias e contratempos apertam-nos o peito, os seus sorrisos aquecem-nos, e a cerimónia simbólica com que concluem a jornada emociona-nos sobremaneira.

Porque aqui n'O Berço do Mundo gostamos de gente genuína e que se supera, porque gostamos de viagens e desafios, e porque este Caminho é uma metáfora de vida, recomendo vivamente o livro. Descubram a Anabela e o Alexandre na blogosfera e nas redes sociais! Ultreia*!



* Ultreia significa "avante" ou "vai para a frente com coragem" e é usado desde a Idade Média para dar ânimo aos peregrinos de Santiago.



Vinho com chuva

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Quem vem e atravessa o rio, junto à Serra do Pilar, vê um velho casario, que se estende até ao mar (...) Por ruelas e calçadas, da Ribeira até à Foz, por pedras sujas e gastas e lampiões tristes e sós.

As gaivotas, alheias ao céu pardacento e aos chuviscos, mergulham nas águas barrentas do Douro, onde os rabelos baloiçam docemente. A sua alegria barulhenta acrescenta encanto a esta tarde cinzenta, no cais de Vila Nova de Gaia.

Os turistas passeiam tranquilamente pela avenida, ou embrenham-se numaruela sinuosa e brilhante de chuva, rumo a uma das muitas caves do vinho do Porto. Nós seguimos igualmente por uma ladeira, em busca da Taylor's, chegando ao destino um pouco ofegantes (porque a idade não perdoa e a tagarelice também não).


Tinha previsto uma visita ao Mosteiro do Pilar, mas a conversa estava tão boa...

Esse teu ar grave e sério, num rosto e cantaria, que nos oculta o mistério, dessa luz bela e sombria.

A luz desta tarde é tudo o que o Rui Veloso canta e ficará ainda mais doce depois de um vinho do Porto, branco e seco, que nos servem como aperitivo. Acompanhamos um grupo de franceses pelas caves longas, escuras e húmidas (80% de humidade, cuidadosamente controlada), repletas de pipas de vinho. Ao fundo do corredor, a coroar o caminho, um barril gigante de 20 mil litros, onde muitos gostariam de se afogar.

Apesar de não praticar uma única palavra de francês há mais de uma década, fiquei a saber que uma garrafa de vintage representa a melhor produção dum ano excepcional. E que, à medida que este néctar amadurece, os sabores frutados e intensos dão, gradualmente, lugar a uma suavidade aveludada. Enquanto isso, a cor inicial, vermelha e profunda, vai evoluindo para a "subtil tonalidade âmbar conhecida por tawny".


© taylors.pt
© taylors.pt.  


De regresso ao salão da Taylor's, espera-nos mais vinho do Porto: um cálice de ruby e outro de tawny. Agora já sabemos distingui-los pela cor. Sentamo-nos nuns confortáveis cadeirões de veludo, embrenhadas na conversa que se desprende ainda mais leve depois de esvaziado o primeiro cálice.

Ver-te assim abandonada, nesse timbre pardacento, nesse teu jeito fechado, de quem mói um sentimento...

Quando damos conta, os franceses já se foram embora, o grupo de ingleses está na sua visita e nós? Nós ficamos com o enorme salão de pedra, de outros tempos, com o seu cheiro peculiar (ao tempo, ao vinho, a uma erva misteriosa?) só para nós. Lá fora, continua a cair uma chuva miúda. Através das vidraças, vislumbramos dois pavões numa amena conversa, como a nossa. Só faltava a lareira acesa...


Quero agradecer à Madalena, do blog A Panificadora Ribeiro, pela companhia maravilhosa.
Um brinde, menina!





E a música do Rui Veloso, que nos acompanha hoje? Abaixo.




Um douto domingo

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Um grupo de turistas posa na escadaria da antiquíssima Faculdade de Direito, ao lado de um estudante, cujo negro trajar contrasta com as veneráveis cãs dos visitantes. Afável, o rapaz empresta a sua amada capa para a foto, explicando: "it only can be washed in the river or by the rain".

O grupo sorri, complacente, porventura recordando a intensidade da juventude, quando todos os obstáculos parecem dantescos e todas as paixões são fulminantes e arrebatadoras.

Em tempos, também cumpri o ritual de transpor a Porta Férrea, olhar A Cabra de soslaio antes de ir pousar o olhar sobre o Mondego, para depois correr para uma qualquer sala decrépita e beber a sabedoria dos mestres. Também "olho para dentro", introspectiva, quando se fala de Coimbra e digo orgulhosamente que a mais velha universidade portuguesa é património da humanidade. A Unesco só demorou um bocadinho a descobrir esta verdade de la Palisse...


O perfil de D. João III e, ao fundo, a porta da belíssima Biblioteca Joanina.


Regressei à cidade dos estudantes a convite do Carlos Castela, geólogo, professor, viajante e autor do site Portugal Notável que, a todas estas qualidades, soma outra impagável: é fã d'O Berço do Mundo!

Conimbricense de nascimento, formação e paixão, o Carlos desvendou os detalhes menos conhecidos da sua terra, como o Paço de Sobre Ripas, construído em cima da Torre da Contenda,  e a vizinha Torre do Anto, onde o António Nobre morou,  no século XIX.

               "O poeta aqui viveu no oiro do seu Sonho
            Por isso a Torre esguia o nome veiu d'Anto
            Legenda d'Alma Só e coração tristonho
            Que poetas ungiu na graça do seu pranto
"


Para o pequeno explorador, tudo foi novidade. É sempre intenso ver o mundo através dos seus olhos deslumbrados. Como não achar graça a uma escadaria que "quebra costas" ou ficar um pouco envergonhado perante uma guitarra tão feminina? Como não abrir os olhos em assombro, perante o gigante criptopórtico onde, há dois milénios, assentava o fórum de Aeminium (a Coimbra romana)? O topónimo lembra-lhe os minions do Gru Maldiposto. Simples assim!



A Sé Velha e o rio dos poetas, vistos desde o Restaurante Loggia,
no Museu Nacional de Machado de Castro.
Uma guitarra portuguesa, de 2013, homenageia o fado de Coimbra.
A feminilidade da guitarra e a Torre de Almedina.

Como não admirar as conchas gigantes, enviadas de Timor, para enfeitar a Sé Velha? Ei-lo de nariz no ar, como todos nós, à procura da inscrição árabe que fica algures na fachada desta igreja que até parece um castelo!?

Uma expressão árabe num templo cristão medieval é realmente desconcertante - significa qualquer coisa como "Um dia a minha mão perecerá, mas fica a marca da minha amargura" - e remete directamente para a florescente época de Sesnando (Sisnando ou ainda Sizenando) Davides. O alvazir governou a região durante três décadas, ainda antes de Portugal ser uma nação, criando uma sociedade tolerante, onde cristãos, judeus e moçárabes conviviam pacificamente.

O olhar atento do anfitrião, o encanto de Coimbra e a honesta caldeirada de peixe d'A Taberna escapam às imagens. Aqui ficam as possíveis, reiterando o convite para repetirmos o passeio, desta vez em Guimarães.


Uma concha de Timor fotografada pelo Pedro (cima, esq.).
Com o Carlos Castela, Rita Miguel e Eliana Cristovão, que não via
desde os tempos da faculdade (cima, dir.).
Inscrição árabe perto da Porta Especiosa e claustros interiores da Sé Velha
.




Conheçam outros sítios notáveis do nosso belo país aqui!

Amigos nómadas 3: o carioca francófono

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"Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes como, afinal, as paisagens são."

Esta máxima pessoana parece guiar a vida de Jorge Fortunato, mais um vagabundo saudável, apaixonado pelo mundo em geral, pelo Rio de Janeiro e a França em particular, apreciador das artes e das pessoas que têm algo a dizer (sobretudo se for em francês).

Há cerca de dois anos, o Jorge transformou a sua paixão em profissão e hoje é guia turístico no Rio. "Pela primeira vez na vida, estou fazendo um trabalho prazeroso", diz com o seu sotaque bonito. Quando não está a acompanhar viajantes, ele próprio está a viajar, a planear uma viagem ou a escrever sobre a última, no seu blog Viajando com Jorge Fortunato.






Dos 13 países que conhece, a maior parte fica na Europa: o velho continente atrai sempre os amantes da arte. Por isso, é repetente em França, em Itália ou em Portugal, onde passou o Carnaval deste ano.

O Jorge Fortunato trocou o calor e o sambódromo pelas ruas históricas do Porto, de Guimarães e de Lisboa, trocou as cervejas geladas por generosos pratos e calóricos doces portugueses."Ruthia, vou ter que voltar nadando", desabafou ele, entre o bacalhau com natas e o cabrito no forno com que nos banqueteamos na Nora do Zé da Curva. E dali, como se fosse pouco, ainda conseguimos rematar com uma torta de Guimarães (oh mon Dieu, eu também preciso atravessar o Atlântico a nado!)

Este meu amigo carioca é um detalhista, gosta de se demorar nos lugares, emociona-se com a sua história, como aconteceu no Palácio do Doges, essa obra-prima do gótico veneziano que o levou, literalmente, às lágrimas. "Agradeci a Deus por estar ali e poder ver tanta arte numa cidade tão mágica e especial como Veneza(podem ler o relato aqui).

Et voilá le passaport du Jorge...


O Jorge Fortunato de visita ao berço da nação (Fevereiro 2015).




Nome: Jorge Fortunato
Idade: 47 anos
Profissão: Guia de Turismo
Destino de sonho: Grécia
Na mala não pode faltar: Roupas confortáveis, protetor solar e óculos escuros

Sabe explicar quando e porquê nasceu esse “bichinho” de viajar?
Sinceramente, não. Só fiz a minha primeira viagem de férias  aos 22 anos de idade. E realizei o sonho de conhecer Salvador, capital da Bahia. Foi uma viagem muito modesta, viajei de ônibus – 27 (vinte e sete) horas – e fiquei hospedado numa Igreja evangélica no bairro da Liberdade. Guardo boas recordações dessa época.

Qual foi o destino que mais te marcou? Porquê?
Das cidades que já visitei, duas me marcaram muito: Budapeste e Veneza. Uma estranha sensação de já ter estado ali em algum momento. Costumo brincar com os amigos dizendo que nasci em  Budapeste. Em Veneza tive uma crise de choro no Palácio dos Doges. Nunca mais vou esquecer.

Viaja muitas vezes sozinho e já festejou o aniversário em muitos lugares estrangeiros... O que diz aqueles que não saem de casa por falta de companhia para viajar?
Particularmente, gosto de viajar sozinho. Já fiz várias viagens assim pelo Brasil e também, Argentina, França, Portugal e Itália. Já festejei meu aniversário em Amsterdam (2009) e em Florença (2012), este último estava sozinho, mas muito feliz. Acho que viajar sozinho é uma das melhores experiências que temos na vida. Todos deveriam experimentar um dia. E o fato de viajar sozinho não quer dizer que você vai ficar solitário. Há muita gente viajando sozinha também e aí nada impede de começar uma nova amizade. Fica até mais fácil. Acho que não podemos deixar de realizar nossos sonhos por falta de companhia. E viajar é realizar sonhos.






O Jorge é um bom garfo. Qual foi o prato típico mais memorável que alguma vez provou?
De fato, adoro comer... rsrssrsr  tenho uma lembrança bem recente de uma viagem de 2012. Fui jantar com uma amiga que conheci pela internet – ela tem um blog de viagens -, e fomos a um restaurante em Montmartre chamado “Le relais Gascon”. Lá provei um Cassoulet delicioso e virei fã. Só de falar lembro do sabor.

Pelos seus posts, percebe-se que tem um carinho especial pela França. Porquê?
Meu carinho pela França deve-se ao fato de ter estudado francês na Alliance Française. Além do francês, aprendemos a gostar do país, mesmo sem conhecê-lo. A minha primeira vez na  França foi em 2002 e é o país que mais visito na Europa – já  fui mais de dez vezes.  A última vez foi agora em Fevereiro/2015 (apenas três dias em Paris).  O fato de falar francês ajuda muito e, por isso, fiz boas amizades e sempre volto para visitar esses amigos. Além disso, gosto da cultura, da gastronomia e dos vinhos. 





Outros amigos nómadas

O primeiro convidado da rubrica foi Gabriel Soeiro Mendes, fotógrafo premiado e o retratista oficial da autora d'O Berço do Mundo... (continuar a ler). 

Outro amigo picado pelo vírus da vagabundagem, Bruno Antunes, fala da sua paixão pelo Oriente e da sua experiência mágica na China... (continuar a ler)

Blogaversary (Passatempo 3 anos d'O Berço)

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Sabiam que o Google se juntou a nós para festejar o 3º ano de vida d'O Berço do Mundo? Hoje tivemos direito a um doodle especial... até apanhei um susto quando vi!

Se calhar estamos a ficar "significativos". Na verdade, o blog conquistou novos territórios no último ano: foi acedido por viajantes de 82 países ou territórios, da Rússia à Argentina, do Líbano ao Senegal, do Vietname ao Equador, do Japão à Dinamarca, sem esquecer os improváveis Arábia Saudita, Singapura ou Kuwait. E há novidades no ranking dos 10 dos países com mais leitores: Israel e a Letónia saíram da lista, que agora inclui a China e a República Checa.


Portugal
Brasil
Estados Unidos
Rússia
Alemanha
França
China
Ucrânia
Espanha
República Checa


Para agradecer a vossa presença e carinho durante as nossas aventuras, eu e o pequeno explorador temos dois livros para oferecer: Filhas e Cada Dia é um Milagre. Para participar, basta preencher o formulário abaixo e seguir as regras do passatempo.

O primeiro é um romance histórico de Paulo José Miranda (autor que já arrecadou um Prémio José Saramago e também o Prémio de Poesia Teixeira de Pascoaes) e narra a saga de uma família de emigrantes açorianos no Sul do Brasil.

Cada Dia é um Milagre, do argelino Yasmina Khadra, é uma obra forte, que retrata um continente onde «os deuses já não têm pele nos dedos de tanto lavarem as mãos». De acordo com a sinopse, o livro proporciona uma viagem surpreendente "da Somália ao Sudão, para uma África Oriental alternadamente selvagem, irracional, circunspecta, orgulhosa, digna e infinitamente corajosa..."





Regras:
1. O passatempo é válido apenas para Portugal (mil perdões, amigos de sotaque bonito...)
2. O sorteio realiza-se no último dia de Março, no random.org.
3. O vencedor será anunciado no blog e contactado para o email que referir no questionário.
4. É obrigatório ser seguidor d'O Berço no facebook e partilhar publicamente o passatempo numa rede social à escolha.
5. O prémio será enviado em correio registado.


And Happy blogaversary (noun, blogging anniversary)!


A Veneza portuguesa

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Os canais que cortam a cidade de Aveiro podem ser muito úteis na prevenção de inundações mas nós, visitantes, só pensamos no charme que emprestam à cidade, enquanto os percorremos num moliceiro garrido de seu nome Valente.

"Valente porque come muito e vai para onde o mandam", responde o nosso guia ao pequeno explorador. João Fradinho faz as honras da embarcação que um dia transportou moliço para adubar a terra, intercalando as suas explicações com umas vuvuzeladas** para avisar outros navegantes que "estamos aqui". Foi pescador toda a vida até se reformar, há cerca de cinco anos, altura em que trocou um barco de pesca por este turístico, simplesmente para estar perto da água

"Ali vêem algumas belas fachadas de Arte Nova", diz apontando alguns edifícios do início do século XX, em tons pastel, pelos quais já me tinha apaixonado em terra. É também ele que nos chama a atenção para as brejeiras proas dos barcos que aqui circulam - "lembraste da minha gaita?"; "abençoada ventania" (exclama o padre, olhando para a saia levantada de uma mulher);"Eu não quero mais chouriça" - e outras pérolas do género.




O Pedrinho e a prima, estupefactos com os malabarismos do
exuberante pescador da ria de Aveiro.
Cliquem para aumentar e lerem as picantes mensagens das proas.


Ao longo do passeio, constato que Aveiro é uma cidade moderna, que soube promover os edifícios históricos: antigos depósitos de sal acolhem companhias de teatro ou de bailado e a própria Câmara Municipal ocupa uma velha fábrica de cerâmica.

O convento de Jesus, onde a Princesa Santa Joana se refugiu no século XV, foi convertido em Museu e homenageia a sua mais ilustre hóspede. Mas sobre a princesa falaremos noutro post. Porque hoje fomos abençoados com sol, ainda que sopre um vento frio, e portanto vamos aproveitar a luz, a rua, a paisagem.

E a região tem várias alternativas para passear na natureza: há as salinas, o Navio Museu de Santo André (ancorado no Jardim Oudinot, na Gafanha da Nazaré, Ílhavo), a Praia da Barra com o maior farol de Portugal, visitável às quartas-feiras, ou a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto. Nós escolhemos a amorosa Praia da Costa Nova, a uns meros 10 minutos da cidade,  espremida entre o mar e a ria, com as suas castiças casinhas às riscas. Estes antigos "palheiros" dão um colorido muito bom à paisagem.

Felizmente, as barraquinhas de bolachas americanas estão fechadas, porque o pecado da gula será plenamente satisfeito com ovos moles. Comprados na Aveiro Emotions, com 10% de desconto, porque viajamos nos barcos deles (#ficaadica). 

E por hoje vos deixo, com as imagens de um domingo feliz!




** som da vuvuzela, brinquedo popularizado durante o Mundial da África do Sul e que faz uma barulheira danada.

Passeio de moliceiro: 8€ adulto / 4€ criança





P.S. Ainda vão a tempo de participarem no passatempo de aniversário d'O Berço.
No fim do mês vou sortear dois livros. Saibam tudo aqui.





Joana, princesa e santa

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A imagem da filha de D. Afonso V paira sobre Aveiro como um perfume, tão subtil quanto constante



O marketing turístico da cidade assenta naquela princesa do século XV, assim como o de Guimarães explora a aura guerreira de D. Afonso Henriques, assim como Viseu tem Viriato, Brodowski tem Portinari ou Liverpool os Beatles.

De Joana se conta que era muito bela mas que recusou vários pretendentes por querer ser freira: foi o caso do rei de Inglaterra; Maximiliano, filho do imperador Frederico III ou o herdeiro de Luís XI. Quis tomar votos no modesto convento dominicano de Aveiro e tê-lo-ia feito, não fosse a polémica que isso causou na corte. Aí viveu com o véu de noviça até ao fim da vida, humildemente, canalizando as suas rendas para ajudar os mais pobres. A sua caridade garantiu-lhe a fama de santa, ainda em vida.

Quando a princesa morreu de peste, diz a lenda, e o enterro passou pelos jardins no convento, as flores que ela tratava caíram sobre o caixão, prestando-lhe uma última homenagem. Este acontecimento terá sido o seu primeiro milagre. A partir de então, muitos outros lhe foram atribuídos e, duzentos anos depois, o Papa Inocêncio XII concedeu a beatificação a esta infanta de Portugal.



Joana como princesa, na capa de um CD, e com o hábito dominicano na loja do Museu.




O Museu de Aveiro, instalado no Convento de Jesus onde a princesa se enclausurou contra a vontade do rei e de todo o país, honra a sua mais célebre hóspede. Se é verdade que tem belas peças de arte sacra, também é certo que temos vários museus desse tipo (e bons) espalhados pelo país.

Assim, o que distingue o espaço é precisamente a linda e loira Joana, cuja vida decora as paredes da Igreja: numa dessas passagens, em que foi retratada com trajes reais, parece aCinderela, segundo o Pedro e a prima. 
O lugar mais singelo do antigo convento dominicano é o coro baixo, onde repousa o túmulo barroco da princesa, de mármore trabalhado, apoiado sobre quatro anjos e enfeitado com flores frescas, prova do carinho que os portugueses nutrem pela sua santa de sangue real.

Para além desta personagem histórica, o Museu reserva-nos outra surpresa neste domingo de Março. Homero, o Contador Épico.







Inspirado no livro Vozes Plurais: filosofia da expressão vocal de Adriana Cavarero, o protagonista deste monólogo pede socorro aos mais emblemáticos bardos, trovadores e menestréis da história, na obstinada busca de salvar sua amada de uma maldição. A narrativa é intercalada por músicas do repertório de “guitarra clássica solo”, que evocam as atmosferas relatadas no decorrer da trama.

A apresentação, protagonizada pelo guitarrista Eduardo Barretto, integra o IV Ciclo de Concertos, com entrada gratuita, que o Museu de Aveiro organiza em parceria com a Universidade local. Não esperávamos este momento musical e fizemos ali uma doce pausa... 

Despeço-me da Veneza portuguesa com um forte aplauso, ao jovem músico e à cidade. É assim que se promove o património. Bravo!


Bilhete Museu de Aveiro: 4€ /adulto
Concertos: entrada livre (programa aqui)




Ainda vão a tempo de comemorar o aniversário d'O Berço e ganharem 2 livros.
Saibam tudo aqui.

And the winner is...

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O mês de aniversário d'O Berço chegou ao fim. As temperaturas começam a subir, as flores a desabrochar, os passarinhos enchem o céu com os seus alegres chilreios e os dias estão cada vez maiores: tudo o que gostamos para explorar o mundo à nossa volta.

Cá por casa, aproveitamos algumas destas tardes soalheiras para passear em família. Sim porque estamos os três reunidos (felicidade!!!!). Dentro em breve, prometo partilhar convosco algumas dessas andanças, porque agora é tempo de aproveitar o marido e o filhote...

Quem também tem motivos para comemorar é a Helena Isabel Guerreiro Muralha Bracieira, de Beja, que foi seleccionada pelo random.org e, como cumpriu todos os requisitos do passatempo, é a vencedora do sorteio do 3º Aniversário do blog. Muito obrigada a todos os que participaram. 




Muitos parabéns, Helena Bracieira! 
Aguardo a sua morada para enviar o prémio pelo correio.


Páscoa no verde Minho

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© hotelminho.com
















Passamos a vida a sonhar com o desconhecido, queremos percorrer o planeta todo quando, afinal, tudo o que procuramos está tão perto. A felicidade resume-se a ter a família reunida, a partilhar uma tigela de pipocas (se possível as do pai, que são as melhores do mundo), a um banco de jardim da nossa cidade e ao sol que nos traz algum calor apesar de, nesta altura do ano, o Inverno ainda se estender nas sombras.

Aqui perto há a Semana Santa mais famosa do país, temos uns dias livres mas os passeios não nos levam para longe. Até porque o Miguel já não punha os pés na mater pátria desde Setembro e os afazeres multiplicam-se (incluindo frequentes e extremamente irritantes idas a centros comerciais à procura de camisas).

Numa das nossas raras saídas, revisitamos um pouco do Alto Minho, onde chove mais do que no resto da Europa e se produz um fresquíssimo vinho verde, onde tanto se ouve português como espanhol, onde a mesa é sempre farta... 









Começamos o dia em terras de cervaria, entre as margens do rio Minho e os cumes da serra. Conta-se que antes de os homens aqui chegarem, esta terra era habitada por belos cervos e governada por um garboso rei descrito, nos serões invernosos passados junto à lareira, como "um grande senhor, prudente em tudo, corajoso na luta e sábio no falar..."

Em honra desse majestoso cervo foi colocada uma escultura de José Rodrigues no alto da Serra da Gávea, num miradouro sublime, com vista sobre o vale, sem ruído, sem gentes, só paisagem e tranquilidade. Dali se vê tão bem a ilha da Boega e avila espanhola de Goián.

E, porque Espanha é logo ali, V. N. Cerveira tem também um castelo, dos tempos de D. Dinis, para proteger a fronteira. E com as muralhas vieram as casas brasonadas e os típicos solares minhotos, que emprestaram à terra um ar senhorial. E entre elas, a Casa Verde, do século XIX, inesquecível de tão feia!



Paragem em Caminha, antes do regresso a casa.


A pequena Cerveira define-se hoje como uma Vila das Artes, devido à sua Bienal de Arte Moderna, que vai deixando testemunhas pelas ruas e jardins. Mas como a fome aperta, deixamos as tranquilas margens do Minho e subimos até à Casa das Velhas, onde nos espera uma bela posta barrosã e mais uma vista que vale milhões.


P.S. Estou muito atrasada nas minhas visitas, eu sei. Mas em breve retomamos a rotina. 
Como foi a vossa Páscoa?

Festejar a Música

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Era apenas uma jovenzinha quando se apresentou em Lisboa para a Rainha D. Amélia. Qual é o sonho da sua vida? perguntou-lhe sua Majestade. Guilhermina Suggia (1885-1950), pois era a violoncelista a sua interlocutora, respondeu que queria aperfeiçoar a sua música no estrangeiro. E o sonho tornou-se realidade, pois foi-lhe concedida uma bolsa real e ela rumou à Alemanha, acabando por se tornar uma celebridade mundial.

Guilhermina revolucionou o grande violoncelo em técnica, sonoridade e até na própria posição de tocar. Sim, porque as boas maneiras ditavam que o instrumento não devia ser tocado por mulheres, pois devia ser colocado entre as pernas.

Esta menina do Porto recusou colocar o violoncelo de lado e adotou publicamente a posição mais confortável (e vanguardista), apesar de algumas orquestras, como a BBC, proibirem a contratação de intérpretes femininas por esse motivo. Simples assim.


A bela Guilhermina, eternizada em 1923 pelo galês Augustus John, 
enquanto interpretava Bach.


A sala principal da Casa da Música, no Porto, carrega o nome da corajosa Guilhermina. Considerada o coração da Casa, "a Sala Suggia serve de âncora a todo o edifício, permitindo que os principais percursos se desenhem à sua volta. Com sete janelas que a ligam quer ao exterior quer a outros espaços, proporcionando diferentes ângulos de visão, é o único concert hall do planeta onde se pode tocar música exclusivamente com luz natural, suficiente para a leitura de partituras".

A instituição sublinha ainda a excelência acústica do auditório. "Todos os materiais de revestimento foram escolhidos com essa preocupação: contraplacado de pinho nórdico para paredes e tecto; vidro curvo para compensação e divergência de ondas sonoras; e um tecido para as cadeiras que imita a presença humana até 70% de ocupação da sala."

No fim-de-semana passado, o espaço comemorou 10 anos de vida com uma programação especial. Eu e o pequeno explorador aproveitamos a tarde primaveril para conhecer os detalhes deste edifício fantástico, construído no âmbito do Porto 2001, quando a cidade invicta foi Capital Europeia da Cultura.


Com a Sala Suggia como cenário.
Os painéis de azulejos são réplicas de outros que estão em Lisboa, Porto
(na Estação de S. Bento) e na Holanda.



O edifício desenhado pelo holandês Rem Koolhaas é todo contemporâneo, mas o arquitecto não esqueceu alguns detalhes de evocação à arte portuguesa, desde os azulejos da sala VIP à talha dourada na Sala Suggia.

Terminamos este domingo musical com o tocante concerto da especialíssima orquestra "Som da Rua". Feita de pessoas sem abrigo ou muito próximas da exclusão social, a orquestra cantou o Porto com toda a garra nortenha.



Aqui fica o vídeo possível, pedindo desde já desculpa pela qualidade do som. 
E de repente, alguém grita entre o público, "força Armindo"!





Viagens com livros: a mítica rainha Ginga

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Estátua em bronze da rainha, à entrada do Forte de S. Miguel, em Luanda.


Dona Ana de Sousa podia ser uma pacata dona de casa, esposa de um qualquer colonizador a tentar a sorte pelas Áfricas. Mas não foi. 

Na verdade, ela é mais conhecida como Rainha Ginga (1583-1663), cujo título real em quimbundo, "Ngola", terá dado origem ao nome de um país. A monarca, que guerreou e depois fez alianças com os portugueses, é uma figura central da história angolana no século XVII.

Num romance histórico recentemente lançado, Ginga é descrita como uma líder firme, exótica e carismática. Preocupada com o despovoamento do reino, devido aos recorrentes sequestros de pessoas para serem vendidas no Brasil, Ginga é também senhora de muitos escravos, mas condena os portugueses pelo tratamento desumano ao qual submetem os seus...

Hoje viajamos por Angola, ainda antes de o ser, conduzidos por José Eduardo Agualusa, esse fabulista branco nascido no Huambo (quando Angola ainda era uma colónia) que está entre os grandes da literatura lusófona. Agualusa, que sempre quis escrever esta história mas foi adiando o projecto com receio do tamanho da empreitada, lançou o livro do alto da maturidade que os cinquenta e tal anos dão.

Quem conta esta história, entre ficção e realidade, é Francisco José da Santa Cruz, um padre brasileiro profundamente abalado na sua fé, com espessa melena de índio que herdou de sua mãe, juntamente com a tendência para a melancolia. 







O padre mestiço, secretário da famosa rainha negra, desfia um enredo intrincadouma mulher que se tornou rainha após envenenar o próprio irmão, porque este não tomava medidas drásticas para impedir os avanços dos portugueses. Que para isso, formou uma aliança com os guerreiros Jaga – uma espécie de espartanos de África – e, décadas mais tarde, com os holandeses, que apoiou aquando da ocupação de Luanda.

Pelo meio ainda se aproximou dos portugueses, convertendo-se ao catolicismo, que achavam que a "inaudita" inteligência desta mulher, ainda por cima negra, "devia ser considerada inspiração do maligno e, portanto, matéria da competência do Santo Ofício"(pp. 37-38).

Católica ou não, ela nunca abandonou os seus velhos hábitos que, com certeza, causavam muita estranheza. Uma mulher que se veste de homem, que teima em ser tratada como rei e mantém um harém de 50 homens, a quem tratava como as "minhas mulheres" e os vestia como tal...

A personagem tem sido "instrumentalizada" por muitos: o Marquês de Sade encarava-a como exemplo de devassidão; activistas americanos apontam-na como um símbolo gay (porque tratava os seus homens por mulheres? OMG); e políticos angolanos, como uma heroína nacionalista.


O que dizem ser a pegada da rainha Ginga, em Pungo Andongo, 
província de Malanje (recordem a viagem aqui).


A Rainha Ginga e de como os africanos inventaram o mundo não é uma simples biografia da destemida rainha. Propõe-se retratar uma época histórica, fascinante, quando Portugal, Holanda e outras potências disputavam territórios de África e da América do Sul. 

Não me interpretem mal, a obra proporciona uma leitura agradável, pejada de personagens divertidas: um padre que acaba perseguido pela Inquisição, um judeu com nome de anjo, um príncipe do Reino de Ndongo que rapta a mulher de um oficial holandês, até um pirata com uma perna de pau que existiu de verdade (Cornelis Jol), provando que a realidade é por vezes mais inverosímil do que a ficção.

Mas deixa um travo a pouco.... esta história de 278 páginas bem arejadas, merecia o dobro do tamanho. Talvez assim se tornasse um marco na literatura lusófona, como Cem Anos de Solidão se tornou no mundo literário latino-americano.


Escultura contemporânea, em ferro-velho e pneus, na Baía de Luanda





Tierra de sidra, lobos y gigantes

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Festejamos o fim-de-semana da mamã em Espanha. Estamos a criar uma espécie de tradição familiar, digo eu! (recordem o Dia da Mãe 2014 aqui)





Perdidos no meio da meseta de Castilla y Léon, encontramos um pequeno povoado de pedra, que cresceu ao abrigo do castelo-forte do século XV. Os condes de Benavente alcandoraram as suas muralhas defensivas num lugar inteligente, delimitado por três cursos de água: os rios Castro e Tera e um pequeno ribeiro, de seu nome Ferrera.

Estas águas abundantes fecundam extensos pomares de macieiras, cujo fruto é transformado na famosa cidra sanabrense, pouco alcoólica e 100% natural, que encontramos em todos os bares, taperias e lojinhas de produtos regionais. Fresca deve ser óptima, mas não hoje que os céus nos presentearam com uma chuva miudinha.

No cume deste monte, concentra-se um conjunto monumental que merece uma visita. Começamos pelo castelo de Puebla de Sanabria, onde nos disfarçamos de cavaleiros: o pequeno explorador ensaia uma pose combativa para a foto, mas a couraça é muito pesada!


Como todos os castelos, também o de Puebla de Sanabria tem a sua lenda:
de uma moura que fugia durante a noite dos calabouços para cantar
uma bela melodia estrangeira e pentear os seus longos cabelos.



O interior do recinto muralhado foi reconvertido e hoje acolhe uma Casa de Cultura, a Biblioteca, um ecomuseu e, no centro deste gigante de granito, a torre de menagem, popularmente conhecida como "El Macho", de onde se tem uma vista magnífica para o rio e para o pináculo da igreja paroquial, do século XII, em honra da Virgem do Azougue.

É para lá que nos dirigimos, não sem antes lermos a mensagem destinada a todos os peregrinos que por aqui passam, rumo a Santiago (Puebla de Sanabria faz parte da rota francesa do Caminho):

"Todas las olas de la Historia han dejado aqui su paso. Los celtas el nombre. Los suevos la primera organización. El monacato y los mozarábes su huella y los condes su empaque. Caminante, que tu también, en cada ola de tu historia dejes, con tus buenas obras, memoria de tu paso. el amor es el camino."

O templo está fechado mas o que realmente aqui me trouxe foi simplesmente a porta, com o seu Adão e Eva e uma serpente que lhes sussurra ao ouvido. Uma cena típica do Génesis, dirão. Pois. Só que os restantes capiteis também estão repletos de serpentes que, para alguns, simbolizam a Grande Obra da alquimia (teoria aqui). Aliás, o azougue é o nome comum do símbolo químico do mercúrio, também muito popular entre os alquimistas. 

Será que a Senhora do Azougue esconde um passado pagão? Não chego a nenhuma conclusão e o Pedrinho acaba por interromper os meus devaneios metafísicos. A mãe tem assim momentos estranhos: como congelar em frente a uma porta fechada!? E lá seguimos alegremente para o Salón de los Obreros.


Porta da Igreja da Senhora del Azogue, com as suas enigmáticas serpentes.
Eu com o capote de peregrino (em baixo).






Gigantones seculares

Os cabeçudos e os gigantones povoam o imaginário de todos os minhotos, graças à sua presença assídua em várias romarias. Para ser sincera, nunca parei para pensar na diferença entre um cabeçudo e um gigantone... Mas afinal é muito simples, todos têm cabeças grandes mas alguns, para além disso, são gigantes - explica o técnico do Museo dos Gigantes y Cabezudos de Sanabria.

A povoação tem uma longa tradição destas personagens. Tudo começou em 1848, com dois gigantones exóticos: uma negra caribenha e um chinês. Depois, outros se juntaram à trupe, para abrilhantarem as Festas de las Victorias, que acontecem a 7 e 8 de Setembro.

O pequeno museu conta hoje com 10 gigantones e 33 cabeçudos que representam seres mitológicos - diabos, bruxas, duendes e magos - personagens literárias como D. Quixote e Sancho Pança, Dumbo ou o Pinóquio, e mesmo figuras históricas, como Napoleão Bonaparte. Os cabeçudos e gigantones de Sanabria não só são antigos como também viajados, participando em vários encontros da Península Ibérica.

Puebla de Sanabria é tão pequena como surpreendente. E os seus tesouros não se esgotam neste post. Em breve falarei sobre um dos mais belos locais da região: o Lago de Sanabria.







Entrada no Castelo: 3€ adulto /2€ criança. (o mesmo bilhete dá acesso ao Museo de Gigantes y Cabezudos)


Uma prenda glaciar

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Os picos montanhosos reflectem-se nas águas tranquilas do Lago de Sanabria, uma magnífica herança da era glaciar. Há cerca de 100 mil anos, o gelo esculpiu este vale, hoje ocupado pelo maior lago natural da Península Ibérica.

A esta versão científica soma-se outra, muito mais interessante: numa noite fria de inverno, um peregrino encharcado buscou ajuda na pequena aldeia de Valverde de Lucerna. Todos lhe recusaram ajuda, excepto duas irmãs, que coziam pão já no final da povoação. Aquecido e saciado com o pão acabado de cozer, o estranho adverte as mulheres que devem permanecer ali toda a noite.

Cá fora, na noite escura, o peregrino clama: "Aquí clavo mi bastón, aquí brote un gargallón". E onde o cajado bate começa a brotar um grande caudal, inundando Valverde. Na manhã seguinte, um grande lago cobre o vale, restando apenas uma pequena ilha, com um forno a lenha.






Já no século XX, Miguel de Unamuno, que visitara o lago (numa das margens funcionou em tempos um balneário termal, de águas sulfurosas), elevou esta lenda a literatura, na obra San Manuel Bueno, Mártir:

“Campanario sumergido 
de Valverde de Lucerna 
toque de agonía eterna
bajo el agua del olvido…”

Apuramos o ouvido e apenas ouvimos o vento, porque o potente catamarã que nos transporta é absolutamente silencioso. O Helios Costeau, assim baptizado em honra do deus sol  e do oceanógrafo Jacques Cousteau, é uma pequena maravilha tecnológica: trata-se do primeiro barco eólico-solar do mundo. Porque não utiliza combustíveis fósseis é ambientalmente neutro. Impressionados?

E se vos disser que dois biólogos marinhos (Tomaz e María José) nos acompanham neste cruzeiro de hora e meia, em que se recolhem amostras para analisar a saúde do ecossistema, e que observamos os organismos num mega microscópio? E se acrescentar que, junto à Isla de Moras y Bouzas, Tomaz mergulha com uma câmara que nos permite ver, em directo, o fundo do lago? Vasos, telhas e outros restos do que talvez fosse Valverde de Lucerna.... e até um  basilosaurus! E mais não digo, para não estragar a surpresa.

O catamarã realiza estes cruzeiros turístico-ambientais desde 2011 (notícia aqui), graças à empresa Europarques, responsável também por aulas ecológicas no Duero-Douro. As receitas são canalizadas para projectos de investigação da Estação Biológica Internacional. Agora sim, estão estupefactos, confessem lá!

E tudo termina numa alegre confraternização, com um copo de cidra regional, do qual já falei há dias. Ali há volta, existe todo um Parque Natural para descobrir, com cascatas escondidas e castores envergonhados.









Agradecemos a cortesia da Europarques, que nos convidou para conhecer o Helios Cousteau, e também pela forma amável e profissional com que nos receberam.

::::
Cruzeiro no Helios Costeau: 16€ adulto /8€ criança. 



Astorga dos caminhos

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Aguardamos a hora certa na Praça de Espanha, altura em que Juan Zancuda e Colasa, os dois mais famosos maragatos* de Astorga, tocarão o sino de bronze do edifício do Ayuntamiento para a multidão de turistas e peregrinos.

Um desses caminhantes descansa as pernas e o espírito num banco junto a nós. Chama-se Matteo, é italiano, e partiu bem cedo de Hospital de Órbigo, a cerca de 18 quilómetros. Depois de lhe tirar uma foto com os maragatos do relógio, responde ao meu "Ultréia" com a habitual "Suséia"** e segue adiante, sorridente.

Falara já ao Pedro nos caminheiros, a propósito do capote de peregrino pendurado no castelo de Puebla de Sanabria (recordem a viagem aqui). Mas do abstracto até ao concreto, a distância é abissal. 

Só vendo um em carne, osso, cajado e vieira é que o pequeno explorador me inundou de perguntas. Como? Porquê? Quanto tempo demoram? "Mas isso é muuuuuito longe", rematou impressionado. Desde então revelou-se muito atento, apontando os peregrinos com que nos fomos cruzando.





O edifício do Ayuntamiento com o seu relógio de maragatos (séc. XVIII).
Cliquem nas imagens para ampliar.
A belíssima catedral de Astorga.
Traje típico dos maragatos.


Para além de estar na rota francesa do Caminho de Santiago ou Via Láctea (classificado como primeiro itinerário cultural europeu pelo Conselho da Europa), a milenar Astorga fica na confluência de outro caminho antiquíssimo: a Rota da Prata, que remonta à Asturica Augustea romana, quando servia de ponto de passagem dos metais preciosos extraídos no norte da Península Ibérica.

A importância da cidade para os romanos era tal que a dinastia flávia mandou construir uma estrada - a Via Nova - entre Bracara Augusta (Braga, Portugal) e Asturica Augusta, cujo traçado foi muito útil durante a reconquista cristã. Astorga conserva ainda vários vestígios desse período romano, nomeadamente as muralhas, um museu e uma rota temática.

Deixamos a Praça do município para trás e procuramos o cartão-postal da cidade, a imagem que me fez planear esta viagem, um dos raros projectos de Antoni Gaudi fora da Catalunha: um palácio de contos de fadas, com pináculos e torreões dignos da Disney, ainda sem as linhas curvas que caracterizariam o trabalho do génio catalão.



Outra perspectiva do Palácio Episcopal desenhado por Antoni Gaudi.

Algumas imagens do interior do Museu dos Caminhos e respectivo jardim.


Ao lado do Palácio, uma maravilhosa catedral do gótico florido espanhol do séc. XV, construída sobre a sua antecessora medieval, lembra-me a de Sevilha ou até a de Salamanca. Mas acaba eclipsada pelo Palácio Episcopal de Gaudi, que acolhe hoje o Museu dos Caminhos. 

Somos recebidos por três anjos majestosos, perdemo-nos no interior, maravilhados com a luz, o trabalho em ferro forjado, os vitrais e os subterrâneos... depois demoramo-nos no jardim e tiramos mil e quinhentas fotos (e nenhuma faz justiça à beleza do palácio, bah!).

Antes de partimos, Astorga reserva-nos mais um presente. Entre o Palácio e a Catedral, decorre uma animada feira de queijos e o ar encantador do Pedrito rende-lhe generosas fatias de queijo. Ele aproxima-se por simples curiosidade, mas as vendedoras não lhe resistem ou talvez confundam o seu interesse com gulodice!


* Habitante da Maragateria, região histórico-cultural espanhola, na província de Leão.
** Ultréia é uma expressão usada para animar os peregrinos, significando "em frente". Já a resposta, Suséia, significa "para cima". Ultréia e Suséia são assim os votos de sucesso para o caminho, de Santiago e da vida.







Entrada no Palácio Episcopal: 3€ adulto / gratuito para crianças com menos de 10 anos


Astorga do chocolate

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Contei-vos que no meio da Maragateria fica a antiquíssima Astorga, o cruzamento de vários caminhos de minérios, de fé e misticismo. Falta contar-vos que Astorga é também a cidade do chocolate, produção que atingiu o período áureo nos séculos XVIII e XIX, graças ao cacau que chegava das colónias da América Latina.

Esta dulcíssima e secular arte resultou na venda de chocolate e bombons de todos os tamanhos, sabores e feitios, em todas as lojas de recordações da cidade. Existe até um Museu do Chocolate em Astorga, instalado no palacete de um desses empresários (D. Magín Rubio), um dos muitos edifícios modernistas que enfeitam a cidade, por influência de Gaudí.

Imaginem eu, que nem gosto nada de chocolate, fiz um esforço tremendo para escrever este post sobre o alimento dos deuses. E por falar em deuses, sublinhe-se que o Museu tem a bênção do senhor da Lua prateada e dos ventos gelados "Quetzcoatl". Diz a lenda que o deus asteca ofereceu aos homens as sementes da árvore sagrada (o cacaueiro) mas, por entregar o alimento divino aos mortais, foi  condenado ao desterro.

É por isso que uma escultura em madeira de Quetzcoatl pende, imensa, da caixa de escadas, uma escadaria que desemboca maravilhosamente no primeiro andar, para uma porta trabalhada com ferro e vitrais. Mas adianto-me. Regressemos à entrada, que parece uma lojinha tradicional, para comprar o bilhete e entrarmos na Câmara das Maravilhas.


O Palacete de D. Magín Rubio acolhe o Museu do Chocolate.

O cacau como moeda de troca. Em tempos, valeu mais do que o ouro.
© www.aytoastorga.es




As Câmaras das Maravilhas eram salões que a nobreza criava nas suas mansões, com todo o tipo de objectos insólitos e raros, para impressionar as visitas, o que originou, de resto, bizarríssimas colecções. Pois, a Câmara do Museu expõe várias coleções de cromos, calendários e outros mimos usados para incentivar o consumo do chocolate (ainda não tinham inventado os ovos de chocolate com brinquedos no interior)...

Sabiam que a palavra bombom vem do francês e significa "duas vez bom"? Franceses espertos! E que o chocolate se derrete por volta dos 34ºC, daí desfazer-se na boca? Hmmmm

Sucedem-se depois as salas sobre a origem do cacau, as lendas a ele associadas, o panorama histórico da produção de chocolate bem como a maquinaria usada para esse fim, primeiro de uma forma artesanal e depois industrial. O primeiro andar é, grosso modo, dedicado às famílias chocolateiras de Astorga e materiais publicitários.

Mas o melhor fica para o fim: vamos provar chocolate. Chocolate preto com 71% de cacau da Venezuela, chocolate preto com 53% de cacau do Equador ou chocolate de leite e amêndoas com 41% cacau do Gana? Não me consigo decidir sobre qual é o meu favorito, portanto vou provar outra vez...

Uma despedida docinha de Espanha, depois de um fim-de-semana feliz com o pequeno explorador.



A arquitectura do início do séc. XX sofreu a influência do modernismo de Gaudi,
 como prova a Casa Granell, de outro empresário do chocolate de Astorga.




Entrada no Museu do Chocolate: 2,5€ adulto / gratuito para crianças com menos de 10 anos


Mais fotos de Astorga na página do Facebook d'O Berço (aqui).






Reviver Bracara Augusta

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© Câmara Municipal de Braga


Hesitei bastante em escrever este post, uma vez que, em rigor, não pus os pés na Braga Romana 2015. Daí as fotos serem todas da organização desta festa que já rivaliza com o famoso S. João da cidade. Para além disso, terei que explicar o motivo pelo qual fui a Braga e não cheguei a ver nada, zip, do festival, correndo o risco de parecer uma idiota completa...

Vamos lá resumir os motivos para escrever este post. Primeiro, eu gosto de Braga. Antes de ir morar para o Brasil, trabalhava numa agência de comunicação responsável pelo roteiro turístico da cidade minhota, o que me permitiu conhecer um pouco do seu riquíssimo património romano.

Cite-se, por exemplo, o balneário encontrado sob o claustro do seminário de Santiago, várias termas, a Fonte do Ídolo (que, possivelmente, faria parte de um edifício religioso consagrado ao deus Tongoenabiago), o espólio arqueológico guardado no Museu D. Diogo de Sousa, ou as grandes vias romanas que ligavam Bracara Augusta a outras grandes urbes... 

Em segundo lugar, apesar das feiras medievais serem já banais, Braga consegue envolver os seus habitantes de um forma notável: todas as escolas do concelho participam no cortejo inaugural, por exemplo. Os noivos do casamento romano encenado este ano foram escolhidos a partir do passatempo "Ubi tu Gaius ego Gaia" e a organização premiou ainda uma família bracaraugustana vestida a rigor.


© Câmara Municipal de Braga
© Câmara Municipal de Braga
© Câmara Municipal de Braga
© Câmara Municipal de Braga
© Câmara Municipal de Braga
© Câmara Municipal de Braga



Em terceiro lugar, o cuidado histórico por detrás de toda a animação resulta sempre em novidades e surpresas: iguarias romanas reinventadas, bailarinos que dançam ao som da música do deus Lupercus, legionários que saúdam Júpiter, grandes cortejos triunfais, workshops sobre jogos de tabuleiro da época, personagens mitológicas (Fauno e Fauna, druidas, Vénus e Cupido, bufarinheiros, Draco e Isolda) que se cruzam connosco pelas praças...

Ou seja, a Braga Romana comemora, de uma forma digna e muito festiva, os primeiros tempos daquela que foi a opulenta cidade Bracara de Augustus, o imperador que a fundou, após estabilizar a Península Ibérica sob a pax romana.

Tudo isto somado, entendem porque fui até lá numa tarde de domingo, com o pequeno explorador e a minha mãe. A confusão habitual para estacionar mas, para variar, tenho sorte e o arrumador arranja-me um lugar num sítio excelente, bem pertinho do centro... Saio do carro, não esquecer máquina fotográfica, moeda para o arrumador, dou a volta e vejo que o pneu ficou um pouco em cima do passeio. Ainda cogito em deixá-lo assim, mas a consciência pesa-me.

Destranco de novo o carro, abro a porta do passageiro para rodar um pouco o volante (bastava uma coisa de nada). Como o volante está trancado, meto a chave na ignição mas continua a não se mexer. Saio para me sentar no lugar do condutor e pôr o carro a trabalhar mas, assim que bato a porta, o carro bloqueia.

Carro trancado com tudo - chave, telemóvel, carteira, máquina fotográfica - lá dentro. Liga-se para Angola, para o meu marido, porque o raciocínio bloqueou. "É só ir a casa, buscar a chave suplente", lá responde, depois de me perguntar 50 vezes como é que fiz aquilo. Tudo bem, tenho várias amigas que moram em Braga, é só ligar a uma delas a pedir uma boleia. Acontece que o meu telemóvel está dentro do carro. E o arrumador, ébrio, continua a dar palpites "parte-se o vidro de trás"...


© Câmara Municipal de Braga

© Câmara Municipal de Braga



Felizmente, uma amiga da minha irmã - a quem arruinei a tranquila tarde domingueira de praia - dispõe-se a levar-nos a Guimarães. Cinquenta e tal quilómetros, estamos de volta ao pé do carro que não conseguimos abrir, mesmo com o novo comando. Liga-se a outro amigo, que tem jeito para carros. "O comando não funciona? Abram na fechadura!", remata com uma ponta de ironia (imagino eu, que não estava ao telefone, mas que tomo a liberdade de cogitar o que lhe passou pela cabeça).

Mas o carro não tem fechaduras à vista... Lá vem o tal amigo da amiga da minha irmã, dá cinquenta mil voltas ao meu carro branquinho e encontra uma fechadura, tão bonitinha e completamente escondida. Modernices!!!

Resultado, quatro horas de um domingo desperdiçadas e a sensação de ter feito a maior burrice da história. Da feira, ali tão perto, só ouvimos o barulho. Resta-nos as imagens da organização e esperar pela Braga Romana 2016.






Texto e imagens da Braga Romana 2012 aqui e aqui.

A bênção dos animais

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Seguimos uma estrada sinuosa no meio de nenhures, de montes verdinhos e calhaus gigantes. O nosso destino: Santo António de Mixões da Serra, em Valdreu, concelho de Vila Verde. Ali mesmo às portas do Gerês, numa zona embalada pelo rio Homem.
A justificar os sinais de trânsito que abundam por estas paragens, uma pacata manada de vacas, barrosãs e de longuíssimos chifres, interrompe-nos o caminho. Olham-nos com vagares budistas e não se dignam interromper a sua faina ruminante até um autocarro buzinar ruidosamente.
Alguns quilómetros depois, a quietude é substituída por uma forte cacofonia de gentes, carros, cavaleiros, foguetes e vendedores ambulantes.  No centro desta confusão e da aldeia minhota fica o santuário, onde se prepara a missa das onze. 
Os leitores que já me vão conhecendo poderão estranhar esta súbita devoção. Acontece que esta cerimónia é um tanto peculiar: destina-se a crentes racionais e irracionais. Ou não fosse o Santo António, para além de casamenteiro, também conhecido como "advogado" dos animais. 









Vacas, cavalos, cães, gatos, possivelmente algumas cabras também, aguardam junto dos seus donos pela água benta. A secular bênção remonta ao século XVII (1680), quando uma grande peste vitimou boa parte dos animais que ajudavam os agricultores nas suas lides, nomeadamente vacas e cavalos.
Em desespero, a população prometeu a Santo António a construção de um templo, se este os livrasse da doença e dos lobos. O santo lisboeta "ouviu" as preces e surgiu então uma pequena capela no alto do monte que, desde então, acolhe no domingo imediatamente anterior ao 13 de Junho - dia de Santo António -, os animais enfeitados com flores, guizos e fitas vermelhas.
O padre Marques, pároco aqui há cerca de 40 anos, abençoa cada animal e cada dono, antes de seguir em procissão. Misturados com os crentes estão os animais, que largam  valentes prendas no chão empedrado (o pequeno explorador afirma, categórico, que as vacas cheiram muito mal), e também os curiosos e os turistas, incluindo um grupo de estudantes chineses que causa admiração e tira muitas fotos.






A festa termina nas tasquinhas e restaurantes, por entre bacalhau, frango assado e caldo verde. Deixamos a simpática aldeia a derreter - estariam cerca de 40ºC?! -  e a imaginar como seria ainda mais interessante se outros animais domésticos se juntassem à festa: periquitos, asnos e mulas, papagaios, iguanas, tarântulas ... pensando bem, as tarântulas dispensavam-se!


Férias com crianças

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Parece que está na moda largar tudo e sair para fazer uma volta ao mundo, sem data para regressar, rumar a outro continente de bicicleta, acampar numa montanha do Nepal ou fazer um roteiro por toda a Europa quase sem gastar um tostão. Há quem lance, em conversa, que já visitou mais de 60 países, como se colecionasse destinos, em vez de selos ou moedas.
Para quem é pai ou mãe, fazer qualquer destas coisas é quase tão improvável como visitar a lua. Os miúdos têm escola durante nove meses por ano e, quando estão de férias, os preços dos voos e dos hotéis disparam. Mas maternidade e viagens não são incompatíveis, ainda que respeite a opção de alguns viajantes de simplesmente não terem filhos (notícia aqui).
Como sabem, o Pedrinho acompanha-me para todo o lado desde muito cedo e, talvez por isso, é um explorador ávido por novidades. Há dias, disse-me que já não andava de avião há muito tempo: a última vez foi no Natal. Em breve, teremos uma pequena aventura para o apaziguar...

Inhotim (Brumadinho, MG, Brasil), um lugar mágico que todas as crianças
deviam conhecer.
Uma criança precisa de brincar, em qualquer parte do mundo: jogar futebol 
na Madeira, correr na Praça de S. Pedro, brincar num jardim de Praga 
ou fazer amigos num restaurante em Angola.


Há quem diga que tenho sorte, ele tolera bem viagens longas, sabe comportar-se num museu, não é difícil para comer. Talvez porque cresceu com essa realidade. Mas não há milagres, onde há crianças, surgem imprevistos. 

No Verão passado, num voo para Marrocos, o Pedro despejou um frasco de polpa de fruta em cima dele. Era morango, pelo que ficou com as calças e cuecas a pingarem vermelho. Como ele já não é bebé e o voo durava apenas duas horas, não tinha uma muda de roupa na bagagem de mão. Resultado: lavou-se as calças e, como não secaram, o Pedro entrou no aeroporto de Saidia embrulhado numa manta com o logo da SATA. 
O segredo para uma viagem com crianças correr bem? Incluí-las no programa e respeitar o seu ritmo. Em Praga, antes de conhecermos o famoso menino Jesus, o Pedro passou duas horas a brincar num parque infantil com crianças checas. 
Na Madeira, fiz-lhe a vontade e fomos conhecer o museu do Cristiano Ronaldo. Em Roma, pai e filho ficaram a brincar nos jardins da Galleria Borghese e a comer chocolate, enquanto a mãe enchia a alma com arte. As praças espanholas são fantásticas para correr ou simplesmente comer um gelado.

Para as crianças, qualquer mapa pode ser de um tesouro, um castelo pode ser um recreio.

Portugal dos Pequeninos: um óptimo programa em família. Quem conhece?
O Pedrinho no Museu Grão Vasco, em Viseu. As crianças só aprendem a gostar
do que conhecem.


Bem sei, assim não se visita tudo quanto se gostaria, mas o mundo não acaba amanhã e eu planeio viajar até ser bem velhinha. O meu grande parceiro continuará a ser o Pedro, enquanto ele achar que viajar com a mãe tem piada (tenho um amigo viajante que diz que eu sou um caso de estudo).
Portanto, inspirem-se, saiam de casa com a família: o Verão chegou!

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